Nonato Guedes
O ensaio de articulação da candidatura do ex-governador Ricardo Coutinho (PT) a prefeito de Santa Rita, nas eleições de 2024, feito pela representação municipal da Federação Brasil Esperança, composta por PT, PCdoB e PV colheu de surpresa a instância estadual do agrupamento e dividiu opiniões no petismo e em outros segmentos de esquerda. O lançamento, ao que tudo indica, fez parte de uma estratégia de última cartada para viabilizar o retorno de Ricardo à cena política estadual, depois de seguidas derrotas que ele enfrentou, em 2020, quando disputou a prefeitura de João Pessoa, e em 2022, quando concorreu ao Senado. Ricardo tem urgência em tirar a “prova dos noves” da sua militância política e parece entediado com o ostracismo em que vive, sem ocupar cargos federais relevantes e, ainda por cima, praticamente “impedido” de influenciar nas decisões do meridiano político paraibano.
A Executiva Estadual da Federação Brasil Esperança, que tem como um dos expoentes Jackson Macêdo, presidente do PT da Paraíba, alega que é precipitado abrir o debate sobre tática eleitoral para as eleições municipais de 2024, que estaria condicionado a um planejamento ditado pelas instâncias nacionais e que leva em conta peculiaridades da conjuntura estadual. As conversas ainda estão para ser deflagradas objetivamente e qualquer passo em sentido inverso apenas contribuiria para atropelar o curso natural das coisas, pelo menos conforme a avaliação das cúpulas que procuram frear o “queremismo” pró-Ricardo. O que se sabe, nos bastidores, é que a direção estadual do PT ainda tem interesse em esgotar o diálogo com outras forças políticas, como as que são lideradas pelo governador João Azevêdo (PSB), ex-aliado e atual adversário de Ricardo Coutinho. A meta inicial pensada era a de formar frente ampla para derrotar a “hidra” bolsonarista nos maiores colégios eleitorais do Estado, e isto requer tratamento especialíssimo para acomodar as divergências que pululam no interior da esquerda.
Uma eventual candidatura de Ricardo Coutinho a prefeito de Santa Rita teria o simbolismo de sinalizar “virada de chave” na carreira política que ele construiu e que assinalou conquistas marcantes, quer como vereador, como deputado estadual e como prefeito de João Pessoa por duas vezes, além de ter sido governador, também, por dois mandatos. O lançamento de agora surpreendeu porque essa trajetória de Coutinho foi assentada em João Pessoa, com quem ele sempre invocou identidade e que lhe retribuiu até o momento de cair em desgraça. Esse divisor de águas veio com o seu envolvimento na Operação Calvário, do Ministério Público do Estado, mediante acusações de desvio de recursos da Saúde e da Educação no período em que Ricardo esteve à frente do governo. Político resiliente, que em nenhum momento arrefeceu no propósito de escapar de armadilhas legais que o prejudicassem, o ex-governador logrou escapar da inelegibilidade imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral, mas não conseguiu, ainda, se reconciliar com as urnas, diante do desgaste experimentado e da orquestração sistemática movida pelos seus adversários para rifá-lo definitivamente do mapa político estadual
Ultimamente baseado em Brasília, Ricardo Coutinho tem esperado em vão, até agora, qualquer gesto do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para aproveitá-lo em cargo federal de prestígio, tendo sido cogitado, inclusive, para vir ocupar função de destaque no Nordeste. Lula já demonstrou apreço pelo ex-governador, inclusive, encampando uma candidatura sua a prefeito quando ele estava no PSB e colocando-se contra candidatura própria do PT que era empalmada por Anísio Maia. Depois, na campanha ao Senado, não hesitou em apontar Ricardo como seu candidato “in pectoris” na Paraíba, dentro de uma estratégia rocambolesca que, no segundo turno, arrastou o presidente para o apoio à reeleição de João Azevêdo. Mas Lula não pode se expor a prestigiar o ex-líder dos “girassóis” na sua gestão sem que ele tenha resolvido pendências com a Justiça. Na prática, Ricardo vive um calvário pessoal. É voz respeitada mas não decide. É governo com Lula mas não está no governo. Uma situação que nenhum político gosta de vivenciar, ainda mais quando adversários históricos de Lula e do PT são contemplados em cargos federais porque possuem moeda de troca a oferecer – votos no Congresso Nacional.
Ricardo deve ter consciência, hoje, de que seu inferno astral começou quando decidiu não concorrer ao Senado ao fim da sua segunda gestão no governo da Paraíba. Teoricamente, seria detentor de uma das duas vagas em jogo, pois vivia a sua melhor fase, com índice generoso de aprovação e até reconhecimento e loas à sua engenhosidade, talento e habilidade política. Não quis ser candidato alegando que não tinha vocação para o Senado. Mudou de ideia quando precisou dispor de imunidade – e atirou-se à liça em 2022, mas já era tarde. Era o Senado que não lhe queria, ou, pelo menos, o eleitorado que não queria vê-lo senador. Há quem acredite que a incursão por Santa Rita é uma tentativa desesperada de Ricardo de testar o recomeço na política. Mas a empreitada não está sendo fácil – e, como é costume em relação à figura de Coutinho, ele volta a atrair tempestades no até então modorrento cenário político paraibano.