Nonato Guedes
Ao discursar, ontem, na sanção da Lei do programa Escola em Tempo Integral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez uma “invertida” em tom de desabafo, atacando as gestões de Michel Temer, do MDB, e de Jair Bolsonaro (PL), a quem equiparou por não investirem na Educação, comparando que ambos seriam responsáveis pelo número crescente de crianças e adolescentes nos semáforos, pedindo esmola ou vendendo balas para sobreviver. Disse textualmente que esse cenário lhe entristeceu porque esse público deveria estar estudando. “Foi um dos tantos males que esses seis anos de desgoverno legaram ao país”, prosseguiu o mandatário. A dura fala de Lula surpreendeu, sobretudo, pelo tom crítico ao MDB, que hoje é um dos principais aliados do governo petista e que teve papel fundamental na vitória de Lula sobre Bolsonaro no segundo turno de 2022.
Para o presidente, a gestão do MDB é responsável pelo descaso e abandono impostos ao povo brasileiro, e esse abandono teria sido o grande motivo que o levou a disputar pela terceira vez a presidência da República, depois que conseguiu a anulação de processos judiciais movidos contra sua pessoa e o alvará de soltura da cela onde estava recolhido na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba por 580 dias. Ao reiterar que seu governo luta em defesa da democracia e em defesa da Educação, o presidente Lula novamente acusou Michel Temer e Jair Bolsonaro, sublinhando: “A democracia sofreu um grave ataque no dia 8 de janeiro deste ano e a Educação esteve sob ataque permanente nos últimos seis anos”. Queixou-se do desmonte de inúmeros programas educacionais, além da onda de ódio propagada através das redes sociais. A orquestração do ódio, de acordo com Lula, se concretizou na criminalização de professores e professoras e até mesmo nos hediondos ataques a escolas do país, que se sucederam em espiral nos últimos meses em diferentes Capitais e cidades.
Lula afirmou que desde a sua investidura no terceiro mandato tem trabalhado duramente para reverter o quadro caótico que lhe foi legado, com reajuste do piso salarial nacional dos professores e professoras da educação básica da rede pública, bem como mediante o reajuste de bolsas de Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado e a permanência, nas Universidades, de alunos em situação de vulnerabilidade, além da formação de professores do ensino básico, que estava congelada há cerca de dez anos. O presidente ressaltou que “era preciso combinar novamente o crescimento econômico com inclusão social”, voltando a gerar empregos e oportunidades, acabar de novo com a fome, trazer de volta as políticas públicas que tiraram 36 milhões de pessoas da extrema pobreza e fazer, outra vez, da Educação, uma das principais prioridades do país. Enumerou, então, os esforços que têm sido empreendidos para universalizar o acesso à educação pública e aprimorar a qualidade do ensino. “Com isso, erguemos as bases de uma sociedade mais consciente, mais justa e menos desigual”.
Na concepção do mandatário, oferecer as mesmas oportunidades de educação aos estudantes públicos e privados é combater a desigualdade social na raiz – e este tem sido um objetivo perseguido pela sua gestão, valorizando os profissionais que se dedicam a formar gerações e prepará-las para comandar os destinos do Brasil – consequentemente, do imenso contingente de brasileiros e brasileiras. O programa lançado, ontem, pelo ministério dirigido pelo ex-governador do Ceará, Camilo Santana, tem por finalidade atingir um milhão de estudantes em 2023, com ampliação da escola em tempo integral. O evento foi realizado no Palácio do Planalto e, ao todo, serão investidos R$ 4 bilhões para ampliar o contingente de matrículas. O programa funciona em parceria com os Estados e municípios e será voltado a todos os níveis de ensino, da creche ao ensino médio. O MEC informou que os recursos financeiros serão transferidos levando em conta as matrículas pactuadas, o valor do fomento e os critérios de equidade.
Do ponto de vista político-partidário, ficou evidenciado, na solenidade de ontem, o pragmatismo com que se conduz o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em sua estratégia à frente do poder no terceiro mandato que empalma. Ele convive com emedebistas que declaradamente votaram pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff porque o governo ainda não formou maioria no Congresso e precisa fazer concessões, inclusive a forças de direita, para aprovar matérias de seu interesse e urgência. Mas, no subconsciente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de muitos petistas ortodoxos, o impeachment de Dilma continua sendo um “golpe”, arquitetado pelo então vice-presidente Michel Temer em conluio com o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, para possibilitar a ascensão do MDB ao poder. Essa narrativa dificilmente será apagada – e ajuda a explicar a razão pela qual, na terceira vitória ao Planalto, Lula compôs chapa com o PSB na vice, representado por Geraldo Alckmin, não com o MDB. O libelo de ontem, para analistas políticos, foi emblemático das “Senas acumuladas” que Lula e o PT continuam a cultivar quanto a episódios traumáticos da recente crônica política brasileira.