Nonato Guedes
“Caçador de encrencas” desde antes de ascender à Presidência da República, Jair Bolsonaro (PL) vê ampliar-se o cerco contra ele em meio a denúncias de apropriação de joias doadas ao Estado brasileiro e acusações que vão se cristalizando sobre o “golpismo eleitoral” que intentou para permanecer no poder a todo custo, por meio de manobras para fraudar as urnas eletrônicas e interferir no resultado das eleições presidenciais de 2022. Uma reportagem da “Folha de São Paulo” mostra que, diante da sucessão de escândalos envolvendo o ex-mandatário, alguns dos seus próprios correligionários colaboram para levá-lo às cordas, enquanto atuam para apostar em outros nomes mais confiáveis da direita para ocupar a liderança do movimento político-ideológico conservador em nível nacional.
O “inferno astral” vivido pelo ex-presidente foi agravado esta semana com o depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do 8 de Janeiro no Congresso, prestado pelo hacker Walter Degatti Nertto, incriminando seriamente Bolsonaro em ações de tentativa de sabotagem de atos de legalidade. Delgatti afirmou que Bolsonaro ofereceu-lhe assinar indulto presidencial em troca de supostas provas contra as urnas eletrônicas e acrescentou que o então presidente também pediu que ele assumisse a autoria de um grampo contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Delgatti revelou que ao fazer seu pedido, Bolsonaro teria dito que a ação estaria “salvando o Brasil” e seria feita “pela liberdade do povo” para evitar uma “ruptura” no país. O hacker de Araraquara (SP) declarou que Bolsonaro teria dado “carta branca” para que ele agisse, mesmo que de forma ilícita. O depoimento evidenciou para os membros da CPMI que Bolsonaro estava envolvido até o pescoço em sórdidas articulações para minar as bases do Estado de Direito e abrir caminho para um ciclo de autoritarismo ou de vigência de regime de exceção no país, comprometendo o livre funcionamento das instituições.
No que diz respeito às joias oferecidas por autoridades da Arábia Saudita e apropriadas por Bolsonaro e família, o ex-presidente tem montado uma sucessão de versões rocambolescas para tentar escapar de penalidades pelo crime de lesa-Pátria que lhe pode ser imputado, mas as contradições tornam-se absurdamente flagrantes nas narrativas ensaiadas a cada provocação sobre o assunto. Os desdobramentos que o rumoroso caso vem tomando, com ameaça do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, de confessar detalhes minuciosos das transações irregulares, tendem a ser suficientes para incriminar o ex-presidente, constituindo indícios graves, segundo admitem expoentes da CPMI que acompanham o passo a passo das informações. Na noite de ontem, o senador paraibano Veneziano Vital do Rêgo (MDB), primeiro Vice-Presidente do Senado, sugeriu que fosse feita uma acareação entre o hacker de Araraquara e o ex-presidente para dirimir quaisquer dúvidas suscitadas sobre o grau de responsabilidade de Bolsonaro no contexto de fatos de gravidade.
A relatora da CPMI dos Atos Golpistas, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), afirmou antes mesmo da audiência que recebeu Walter Delgatti, ontem, que pretendia negociar com o presidente da Comissão, deputado federal Arthur Maia, do União Brasil da Bahia, a realização de uma sessão deliberativa para o colegiado votar a liberação de Relatórios de Informações Financeiras de Jair e da sua mulher, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, esta mencionada, igualmente, em relatos sobre as joias sauditas. O objetivo da senadora é, por meio dos documentos, entender se com o dinheiro das joias ou de outra fonte de financiamento houve irrigação monetária para subsidiar os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, com depredação de sedes dos Três Poderes em Brasília e outras formas de destruição do patrimônio público, documentadas e autodocumentadas por inúmeros invasores por intermédio de redes sociais. Por enquanto, Eliziane não cogita prorrogar o funcionamento da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, mas se mantém atenta, como outros congressistas, a fatos novos que possam eclodir na sequência das revelações contundentes que estão sendo formuladas.
O que se diz nos bastidores de todo esse enredo é que “a casa caiu” para o ex-presidente Jair Bolsonaro, esgotados já todos os recursos de que ele tem lançado mão para tentar se safar do vasto rol de denúncias sobre atitudes deletérias cometidas à frente da Presidência da República, inclusive, quando já havia sido derrotado nas urnas em segundo turno pelo líder petista Luiz Inácio Lula da Silva. Em outras áreas, de forma pesada, trata-se Bolsonaro como um candidato a delinquente, o que pode lhe render aborrecimentos a partir da confirmação do seu suposto indiciamento por parte da Justiça. A verdade é que a imagem de Bolsonaro cada vez mais se enrosca dentro do charco de atos delituosos que são descobertos ou trazidos à exposição pública. Os poucos defensores do ex-presidente ainda tentam apresentá-lo como vítima de perseguição política, mas nem o próprio Bolsonaro sustenta com veemência esse falso álibi, ao ser confrontado com a gravidade do que se lhe acusa.