Nonato Guedes
Teve sabor de revanche, para a ex-presidente Dilma Rousseff, atual presidente do Brics, a decisão do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, sediado em Brasília, arquivando uma ação de improbidade contra a ex-mandatária no caso das “pedaladas fiscais” que se tornaram famosas na História do Brasil. As acusações, afinal, basearam o processo de impeachment de Dilma, ocorrido em 2016, que sempre foi considerado “golpe” pelo Partido dos Trabalhadores e pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O entendimento final, segundo se depreende, foi o de que não houve cometimento de improbidade por parte da segunda gestão de Dilma Rousseff, que enfrentou denúncias de corrupção em obras da Petrobras e teve contas rejeitadas no TCU por incongruências orçamentárias, num presumido encobrimento do déficit para fechar o exercício. O ato final do impeachment de Dilma foi consumado em 31 de agosto de 2016, com a votação no Senado, que a afastou em definitivo e possibilitou a ascensão do vice-presidente da República Michel Temer (MDB).
A verdade é que o significado da reparação é mais importante, diretamente, para a ex-presidente Dilma Rousseff, do que para o seu partido, o PT, que ainda hoje sustenta a versão do “golpe” político para se eximir de incompetência à frente do poder e da narrativa de que o partido cometeu atos deletérios na administração pública. No livro “A verdade vencerá”, em que narrou a saga de sua condenação nos casos do tríplex do Guarujá (SP) e do sítio de Atibaia (também em SP), Luiz Inácio Lula da Silva aludiu com franqueza à inabilidade política de Dilma Rousseff no exercício da presidência da República, o que teria comprometido a sua relação com o Parlamento. Ele admitiu que faltava jogo de cintura a Dilma para negociar projetos com os líderes partidários, além de impaciência de Dilma para o atendimento de demandas oriundas da classe política. Lula, de resto, convive bem com os “ex-algozes” de Dilma neste terceiro mandato, superando divergências dentro do seu proverbial estilo, que é extremamente oposto ao de Dilma, talhado sob medida para assegurar a governabilidade desde que voltou pelo voto ao poder.
Dilma e outros integrantes do seu governo, como o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega e o ex-presidente do BNDES, Luciano Coutinho, foram acusados pelo Ministério Público Federal de improbidade pelo suposto uso de bancos públicos para “maquiar” o resultado fiscal, atrasando por parte da União o repasse de valores às instituições, no caso que ficou conhecido como o das “pedaladas fiscais”. No julgamento no TRF, o advogado Eduardo Lasmar, representante de Dilma, reiterou que a ex-mandatária não participou das operações dos bancos. “O Ministério Público não conseguiu imputar uma conduta à (então) presidente da República. Pelo contrário, ora diz que não sabia, diz que sabia, diz que ela deveria saber, que deveria ter confrontado seus ministros – em suma, inexistindo o registro de qualquer descrição de dolo”, acrescentou, esposando argumento que sensibilizou o colegiado. Nas redes sociais, houve manifestações entusiásticas de líderes petistas “celebrando” a absolvição atribuída a Dilma e fustigando os que a levaram ao sacrifício. O raciocínio mais repetido foi o de julgamento político do caso das pedaladas teoricamente cometidas naquele período.
Um dos notórios “algozes” de Dilma, assim denominados pelo presidente Lula e por líderes petistas na época, foi o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (MDB-RJ), que comandava um agrupamento influente dentro do Parlamento e que operou ativamente, nos bastidores, para a promoção do impeachment, depois de ter tido interesses políticos regionais contrariados pela então mandatária ou por ministros do seu governo. No livro “Tchau, Querida – O Diário do Impeachment”, Eduardo Cunha – que posteriormente caiu em desgraça perante a lei – dá sua versão minuciosa de fatos que antecederam o afastamento constitucional da primeira mulher a exercer a Presidência da República no Brasil. Em dezembro de 2015, Eduardo Cunha havia acolhido o pedido de apuração de crime de responsabilidade contra a presidente. Após ser aprovado na Comissão Especial constituída para analisar o caso, o parecer sobre a admissibilidade da análise do impedimento foi votado no plenário e aprovado com 367 votos a favor e 137 contra. Dilma chegou a visitar Estados (incluindo a Paraíba), a pretexto de se defender e oferecer sua explicação para as acusações, repisando a tese do golpe como se fora o samba de uma nota só. Aqui, no Estado, ela foi acolhida pelo então governador Ricardo Coutinho, que realizou evento público para tentar desagravá-la.
Na prática, a maioria da bancada federal da Paraíba votou pelo impeachment de Dilma Rousseff, entre deputados e senadores. O hoje senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB), que era deputado federal, votou pela admissibilidade do processo, o mesmo fazendo o então deputado federal Pedro Cunha Lima (PSDB), atual parceiro de Veneziano e ex-candidato ao governo do Estado. Apenas três parlamentares – Damião Feliciano, Wellington Roberto e Luiz Couto votaram contrariamente ao afastamento de Dilma Rousseff. O caso mais surpreendente, tanto para analistas políticos paraibanos como para a própria Dilma, foi a manifestação de apoio ao impeachment por parte do deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP), que havia sido ministro das Cidades na gestão de Rousseff. A ex-presidente chegou a desabafar que jamais perdoaria Aguinaldo Ribeiro, que, no entanto, mantém, atualmente, boas relações com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.