O ministro Luís Roberto Barroso, 65 anos, assume hoje a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), sucedendo a Rosa Weber, e com o desafio de pacificar a relação da Corte com o Congresso Nacional, bem como tentar equilibrar temas espinhosos em discussão e manter pontes com o governo federal, que foram destruídas durante o governo de Jair Bolsonaro. A relação com Lula será ainda mais desafiadora: Barroso foi um dos principais apoiadores da operação Lava Jato no âmbito do Supremo. Partiu dele um dos votos que rejeitaram o pedido de habeas-corpus do petista em 2018, abrindo caminho para a prisão do ex-presidente da República. No ano seguinte, o ministro manteve a posição favorável à prisão em segunda instância.
O UOL registra que Barroso, defensor da tese de que o STF deve ter um papel iluminista e impulsionar a história, colocou-se à frente das decisões mais progressistas da Corte, antes mesmo de ser ministro. Em 2011, subiu à tribuna do Supremo para defender a legitimidade das uniões homoafetivas. Em 2012, foi o advogado defensor do aborto em gestações de fetos com anencefalia. Ganhou as duas causas. Caiu nas graças da presidente Dilma Rousseff (PT) e, no ano seguinte, foi nomeado ministro do STF. Preocupado com a forma como traduz seus votos, Barroso tem entre suas ambições como presidente criar um resumo das decisões do STF em linguagem mais simples, como tenta fazer em seus próprios votos. Ele acredita que, dessa forma, o tribunal ficaria mais acessível ao público e menos vulnerável aos ataques. O perfil de comunicador é marcante dentro e fora do tribunal.
No X, antigo Twitter, Barroso acumula mais de 418 mil seguidores e publica todas as sextas-feiras suas “dicas da semana”. O tom pretensamente informal não escondeu indiretas a Jair Bolsonaro (PL), que elegeu tanto ele como o colega Alexandre de Moraes como alvos de ataques durante as eleições. Após ser chamado de “idiota” por Bolsonaro, Barroso divulgou em suas dicas um pensamento: “Quando um homem de bem responde um insulto com outro insulto, ele permite que o mal vença. Não é preciso responder. O mal consome a si mesmo”. De quebra, ainda sugeriu uma música, “Cálice”, de Chico Buarque, censurada pela ditadura militar. Em agosto de 2021, o ministro mandou nova indireta ao sugerir a música “Fixação”, do Kid Abelha, em meio aos ataques constantes do presidente a ele e ao sistema eleitoral.
A ironia fina do ministro, por vezes, falha. E foi na comunicação que Barroso também deu algumas derrapadas nos últimos meses. Em novembro do ano passado, o ministro caminhava numa rua em Nova Iorque quando um homem perguntou se ele responderia aos questionamentos feitos pelas Forças Armadas sobre eventuais vulnerabilidades das urnas eletrônicas. Diante da insistência e do tom jocoso do interlocutor, Barroso não resistiu e rebateu: “Perdeu, mané, mas não amola”. O ministro, depois, lamentou, mas disse que não se arrependeu de ter reagido. No dia 8 de janeiro deste ano, a frase foi pichada no vidro da fachada do STF e na estátua da Justiça que fica na Praça dos Três poderes. Barroso ironizou o erro gramatical do pichador, que escreveu a “perdeu” (sic). “Eu me arrependi muito porque tem um ‘perdeu, mané’ com um L ali. Isso, sim, é de lascar, viu?”.
Em julho, ao ser hostilizado durante um evento da UNE (União Nacional dos Estudantes) em Brasília, Barroso se irritou e soltou a frase que viria a causar uma saia-justa dentro e fora do Supremo: “Nós derrotamos o bolsonarismo”. Imediatamente depois de dar a declaração, o ministro percebeu que tinha falado demais. Procurou a sua assessoria no Supremo e torceu para que o barulho no local não tivesse permitido a captação da fala, mas já era tarde demais. O STF soltou nota oficial na tentativa de amenizar a situação, mas não colou. Nas redes sociais, bolsonaristas usaram a frase para tentar comprovar a tese de que Bolsonaro foi perseguido pelo Judiciário e, por isso, perdeu as eleições de 2022. O ministro se diz zen, pratica meditação e costuma fazer um retiro espiritual uma vez por ano. Mas admite que, como todo mundo, tem momentos em que perde a paciência. “O problema é que nas raras vezes em que perco a paciência, sai em rede nacional”.
Um dos desafios mais imediatos para Barroso como presidente do Supremo Tribunal será lidar com um Congresso conservador que, recentemente, tem se articulado contra o que considera uma invasão da Corte em assuntos legislativos. A disputa não é nova e sempre que o tribunal toma decisões em casos espinhosos mais ganha tração entre alas bolsonaristas e conservadoras do Congresso Nacional. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, apresentou uma PEC para criminalizar o porte e a posse da droga, em reação ao placar atualmente favorável à descriminalização da maconha no Supremo. Um dos votos é do próprio Barroso. Na Câmara, tramita uma proposta para barrar a união homoafetiva, reconhecida pelo Supremo desde 2011, em uma ação que Barroso defendeu como advogado. Na sabatina a que foi submetido antes de ser nomeado em 2013, Barroso defendeu a posição do Supremo neste caso e falou sobre o suposto ativismo judicial da Corte, já em pauta naquela época. Para o então advogado, o STF não invadiu nenhuma competência do Legislativo no caso das uniões homoativas.