Nonato Guedes
Uma reportagem assinada por Caio Luiz e publicada pelo “Congresso em Foco” relata, em detalhes, o histórico de decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal que estão provocando um cabo de guerra com o Senado Federal, com protestos de vários parlamentares, embora outros procurem minimizar o tom de conflito ou de embate ostensivo entre as duas instituições. Por trás do embate, na verdade, há uma queda-de-braço por mais poderes e competências, conforme reivindicado pelas duas instituições. Em relação ao Supremo Tribunal Federal cabe notar que o protagonismo alcançado pela Corte nos últimos cinco anos em decisões de ampla repercussão incomoda não apenas a outros poderes como o Legislativo e o Judiciário, mas, também, segmentos da sociedade. O desafio do recém-empossado presidente, Luís Barroso, é o de evitar tensionamento que provoque instabilidade ao regime democrático construído a duras penas no país.
Os embates se dão ao redor de temas importantes para a sociedade brasileira, como a liberação do porte de drogas, a legalização do aborto, o imposto sindical e o marco temporal de demarcação de terras indígenas, aprovado na Casa Alta do Congresso Nacional na noite de quarta-feira. O líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), opina que as recentes reações do Legislativo constituem mais “uma reafirmação de prerrogativas do que propriamente um confronto com quem quer que seja”. De acordo com ele, a aposentadoria da ministra Rosa Weber, que dirigia o STF, acelerou um processo de “invasão de competências” que tem incomodado parlamentares a ponto de provocar uma série de respostas por meio do avanço de projetos. Rosa Weber, que foi substituída por Barroso, trouxe temas à tona que deveriam ser decididos pelo Parlamento, acrescenta Rogério Marinho. O senador paraibano Efraim Filho, líder do União Brasil, endossa as reclamações corporativistas fazendo o discurso de defesa do que chama de “respeito às prerrogativas constitucionais” dentro do regime republicano.
Marinho afasta a hipótese de que o Congresso possa sofrer acusações de omissão em relação a temas que são caros para a sociedade brasileira, pois muitos deles já possuíam a legislação devida. Sendo assim, entende que delegar temas que vão organizar a sociedade civil a 11 ministros não seria adequado porque o Legislativo existe para representar a população com princípios e leis decididos no âmbito do Congresso. “A chegada do ministro Luís Barroso pode ser, inclusive, um momento de pacificação do país. É o que esperamos – ou seja, que cada Poder volte a exercer sua função sem exercer esse choque que não interessa a ninguém”. Ao longo das últimas semanas estabeleceu-se um jogo de toma lá, dá cá, entre o Senado e o STF. Praticamente, todas as decisões do Supremo que versam a respeito de temas polêmicos encontram respostas na Casa Revisora. Contra a maioria formada pelo STF a favor de uma quantia fixa para diferenciar usuários de maconha de traficantes, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição no dia 14 que criminaliza ao posse ou o porte de qualquer droga.
Por outro lado, contra o voto de Rosa Weber para descriminalizar o aborto na sexta-feira, 22, Rogério Marinho colheu 45 assinaturas de senadores para abrir o processo de realização de um plebiscito nacional para tratar do tema, que agora corre Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça e aguarda plano de trabalho. Na quarta-feira, 27, na contramão da rejeição do STF ao marco temporal, o Senado aprovou um PL sobre o marco temporal de terras indígenas, originário da Câmara dos Deputados, onde tramitou por 17 anos. Segundo o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), o PL será vetado pelo Executivo por se tratar de um “flagrante de inconstitucionalidade que votou um estatuto do índio bem atrasado”. No entanto, Marinho afirma que o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA) deve negociar o tema entre os senadores para que haja um acordo e possíveis mudanças ao texto até um pronunciamento final da presidência da República. “Se o governo deve vetar a essencialidade ou a integralidade do projeto, você não tenha dúvida que o sentimento da Casa é derrubar o veto, caso venha assim do governo, mas eu creio que não será assim”. Marinho acredita que os próximos meses serão “mais tranquilos” porque a PEC de Pacheco vai tramitar, assim como o decreto do plebiscito e, ainda, um projeto que trata da limitação do mandato de ministros, com isto fixando uma relação de maior equilíbrio, referência à PEC do Voto Monocrático, como o senador definiu.
Barroso é conhecido por posturas mais progressistas em relação a assuntos críticos como o aborto e o porte de drogas. Numa entrevista ao “Congresso em Foco”, Randolfe Rodrigues procurou classificar as respostas do Senado como “iniciativas do Parlamento”, evitando dar conotação de crise ao impasse entre o Supremo Tribunal Federal e o Senado. Conforme a liderança, não há crise quando o Supremo cumpre o papel de controlar aquilo que fere a Constituição e, apesar dos Poderes serem independentes e harmônicos, a independência entre eles existe por meio de “choques”. Randolfe argumenta que houve, de fato, uma crise, mas nos últimos quatro anos (na Era Bolsonaro) e no 8 de janeiro, data da invasão e depredação de sedes dos Poderes em Brasília. “O que não pode é um chefe de poder pedindo fechamento de outro poder ou incentivo a pessoas a depredarem os Três Poderes. Pode ter divergência, diferença de posição. Isso existe desde que instauramos a democracia. Às vezes, o Congresso acha que é excesso do STF e vice-versa. Crise existia quando Bolsonaro ia para a frente do quartel e dizia que ministros do STF tinham que se curvar a ele. Isso era ofensa aos poderes”, conclui Randolfe Rodrigues.