Nonato Guedes
Passados alguns dias das primeiras denúncias de suposto envolvimento do padre Egídio de Carvalho Neto em desvio de recursos de doações feitas ao Hospital Padre Zé, em João Pessoa, e à Ação Social Arquidiocesana (ASA), com revelações de impacto quase diariamente exploradas pela mídia, o padre João Paulo, da paróquia Sant’Anna e São Joaquim, não resistiu e veio a público, ontem, durante a homilia em celebrações, para fazer um desabafo. Evitou mencionar nomes e aprofundar-se em detalhes sobre as acusações que estão sendo feitas por autoridades policiais (Polícia Civil em conjunto com o Gaeco, Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado), mas apelou para que os fiéis mantenham sua confiança na instituição e não se desfaleçam nas suas próprias convicções de fidelidade religiosa. Na verdade, a crise está a braços com um desvio pontual, tratado como caso isolado, que não representa a atuação do clero paraibano.
O padre, no desabafo, admitiu que fatos lamentáveis estão vindo à tona, comprometendo, inclusive, o funcionamento dos serviços de atendimento aos carentes que são assistidos no Hospital Padre Zé, mas falou que as providências estão sendo tomadas e que tudo será esclarecido no tempo oportuno, com a responsabilização dos culpados por traírem os ensinamentos cristãos. A Arquidiocese Metropolitana da Paraíba, dirigida pelo bispo Dom Manoel Delson, tem evitado imiscuir-se em juízos de valor a respeito, mas foi diligente no sentido de promover a destituição do padre Egídio de Carvalho e sua substituição pelo padre George Batista, que já tem atuado para assegurar a manutenção da credibilidade da instituição e para corrigir irregularidades detectadas nas investigações. A opinião pública tem acompanhado em clima de expectativa e desapontamento o desenrolar dos acontecimentos e o próprio padre Egídio, através do seu advogado Sheyner Asfora, já entregou ao Gaeco um aparelho celular para ser periciado, dispondo-se a colaborar com as apurações e fornecer os esclarecimentos quando for chamado à colação, em forma de depoimento oficial.
O teor das denúncias constitui “nitroglicerina pura” e o escândalo foi descoberto após denúncia do desaparecimento de celulares doados ao Hospital Padre Zé pela Receita Federal do Brasil. Os equipamentos iriam a leilão com a reversão dos recursos apurados para a manutenção da unidade de saúde. A apuração apresentou indícios de suposto enriquecimento ilícito do padre Egídio, que seria proprietário de imóveis de luxo em João Pessoa, São Paulo e outros Estados, fato que chamou a atenção das autoridades pelo alto valor dos referidos imóveis. Na semana passada, uma força-tarefa comandada pelo Gaeco revelou que vinhos caríssimos dividiam espaço com obras sacras de grande valor e eletrodomésticos que simbolizam bom gosto e ostentação. Esse rastro de riqueza foi encontrado em endereços do padre Egídio durante o cumprimento de pelo menos onze mandados de busca e apreensão autorizados pela Justiça, alcançando, inclusive, uma granja no município de Conde. Duas ex-diretoras do Hospital Padre Zé foram afastadas dos cargos: Jannyne Dantas, ex-diretora administrativa e Amanda Duarte, ex-tesoureira, bem como um funcionário, Samuel Rodrigues, que chegou a prestar delação premiada.
O padre George Batista, na condição de novo dirigente, que foi designado após o padre Egídio pedir seu afastamento face à gravidade das denúncias, assumiu compromisso público com a transparência “e para que os mais necessitados não sejam prejudicados no atendimento e na presteza do serviço”, como registrou o blog do jornalista Suetoni Souto Maior. O sacerdote garantiu que mesmo com as dificuldades encontradas, a operacionalização do hospital Padre Zé não será interrompida e a memória da iniciativa caritativa do padre José Coutinho será resgatada. Em participações em programas radiofônicos de debates, inúmeros ouvintes disseram-se chocados com o registro do escândalo envolvendo um padre com histórico de atuação na Arquidiocese da Paraíba, exigindo que todos os fatos sejam elucidados e que suas conclusões sejam transmitidas à sociedade, ressarcindo-se, ao mesmo tempo, pelo menos parcialmente, a unidade hospitalar, de vultosos prejuízos acumulados. A instituição, como se sabe, tem funcionado graças a doações de pessoas do povo, contribuições de autoridades e recursos disponibilizados por parlamentares de diferentes partidos, mediante suas emendas. O custo de manutenção do hospital é elevado, pelo fato de que ele atende a pacientes não apenas de João Pessoa e da Grande João Pessoa, mas de vários outros municípios de diferentes regiões do interior da Paraíba.
O arcebispo Dom Manoel Delson tem tido uma postura qualificada como “irrepreensível” por parte dos que compõem a jurisdição da Arquidiocese da Paraíba, empenhando-se não apenas no cumprimento das suas funções e deveres eclesiásticos mas, em paralelo, agindo de forma articulada com os poderes públicos e com entidades representativas da sociedade civil para a deflagração de programas de atendimento comunitário, ora beneficiando segmentos específicos, ora contemplando a sociedade como um todo. A postura de seriedade de Dom Manoel Delson é reconhecida tanto por autoridades como por gente do povo, e o empenho manifestado pelo padre João Paulo nas celebrações dominicais foi no sentido de que haja um discernimento correto por parte da opinião pública, com vistas a preservar a tradição e o trabalho da Igreja Católica, diante da circunstância de que a Igreja está, mesmo, acima de vaidades e ambições terrenas. Enquanto isso, aguarda-se os próximos capítulos de uma novela que vem mexendo com os brios da comunidade católica paraibana e da sociedade em geral.