Nonato Guedes
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi condenado, ontem, em ação movida pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo pelos ataques contra profissionais de imprensa cometidos ao longo do seu mandato. A condenação chega a ser simbólica quanto ao custo – ele foi condenado a pagar indenização de R$ 50 mil por danos morais coletivos, montante que será destinado ao Fundo Estadual de Defesa dos Direitos Difusos do Estado, mas tem importância histórica para carimbar o ex-mandatário como algoz da imprensa e da liberdade de expressão, portanto, um inimigo das liberdades públicas. Isto ficou comprovado em inúmeros episódios, havendo relatório com registros de 175 agressões contra a imprensa entre 2020 e 2022. As modalidades de ofensas e ameaças são variadas – vão de xingamentos genéricos a ataques homofóbicos. Segundo o Sindicato, as jornalistas mulheres foram as mais escolhidas quando as ofensas descambaram para as ameaças.
A defesa de Jair Bolsonaro limitou-se a alegar que ele exerceu seu “direito de crítica” às produções jornalísticas, o que não convenceu a Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que o condenou por unanimidade, numa ação que havia sido impetrada desde 2021. Os dados utilizados pelo Sindicato constam do relatório “Violência contra jornalistas e liberdade de imprensa no Brasil”, da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). O coordenador jurídico do SJSP e responsável por peticionar e preparar a ação, Raphael Maia, comemorou o desfecho. “Esta é uma vitória enorme para os jornalistas, para a liberdade de imprensa e para o movimento sindical brasileiro; não conheço caso semelhante em que uma entidade sindical conquistou uma condenação por dano moral coletivo de uma categoria a um presidente da República que estava em pleno exercício do mandato”, expressou ele. De acordo com a entidade de classe, o ex-líder do Executivo foi responsável por 40,89% de todas as agressões a jornalistas em 2020.
A jornalista Thaís Oyama, da TV Cultura, foi um dos alvos de Bolsonaro. Durante discurso na solenidade de passagem de Comando da Operação Acolhida, o ex-presidente declarou que a profissional “lá no Japão ia morrer de fome com o jornalismo”. Em outra ocasião, Oyama foi atacada juntamente com o jornalista Ricardo Noblat, ambos chamados de “idiotas” numa live gravada em 31 de dezembro de 2020 por publicarem informações negativas para o governo a respeito da estratégia de combate à pandemia da covid 19 quando o ministro da Saúde era o general Eduardo Pazuello. Por sua vez, a jornalista e apresentadora do programa Roda Viva, Vera Magalhães, foi constantemente agredida por Bolsonaro ao longo dos quatro anos de mandato. No relatório de 2020 constam cinco casos de agressões verbais contra a profissional. No primeiro caso registrado, Bolsonaro classificou o trabalho de Magalhães como “tentativas rasteiras” de tumultuar a República. Vera Magalhães também foi citada em entrevista do então presidente no Programa do Ratinho (SBT) sob acusação de fabricar mentiras. “Uma jornalista aí, até falei o nome dela na coletiva, inventou que estou preparando um movimento para 31 de março (data do Golpe de 64) na porta dos quartéis. É o tempo todo mentira em cima de mentira. A partir do momento em que uma pessoa nominada, como é essa jornalista, faz isso, não é apenas fake news, é um crime que ela tá cometendo”,
Outros ataques de Bolsonaro foram ainda mais claros em agressividade. A jornalista Patrícia Campos Melo, repórter da “Folha de S. Paulo”, foi agredida verbalmente pelo ex-presidente com conotação sexual. “Ela queria um furo, ela queria dar o furo a qualquer preço contra mim”, disparou. Quando questionado sobre os depósitos de R$ 89 mil feitos por Fabrício Queiroz para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, o ex-líder do Executivo disparou contra o jornalista que perguntou: “Vontade de encher sua boca na porrada, seu safado!”. No último levantamento “violência contra jornalistas e liberdade de imprensa no Brasil”, realizado pela Fenaj e referente ao ano de 2022, Bolsonaro foi responsável por 104 casos de ataques a veículos de comunicação e jornalistas, o equivalente a 27,66% do total, conforme registra uma reportagem do “Congresso em Foco”. A maioria por tentativas de descredibilização da imprensa (80) e os 24 casos restantes representam agressões diretas a jornalistas. Além disso, de acordo com a Federação Nacional dos Jornalistas, logo atrás do ex-presidente, os agressores principais foram os apoiadores dele, que se sentiam estimulados e incitados a também promover agressões, mirando-se no exemplo da autoridade maior que vinha a ser o então presidente da República.
As evidências são de que as agressões verbais de Bolsonaro contra jornalistas datam de períodos anteriores à sua única investidura na Presidência da República (já que não conseguiu reeleição na disputa de 2022, perdendo no segundo turno para o líder petista Luiz Inácio Lula da Silva). Quando era obscuro deputado federal em Brasília, integrante do chamado “baixo clero” (núcleo parlamentar sem maior expressão e muito menos atuação), Jair distribuiu ataques a esmo, tanto na Capital federal como em outras localidades. Em João Pessoa, durante agenda na Câmara Municipal, chegou a agredir o jornalista Lenilson Guedes, editor deste blog, por se sentir incomodado com uma pergunta verídica por ele formulada, o que motivou reações de protesto de colegas do profissional ali presentes. Como presidente, Bolsonaro expandiu sua catilinária, nela envolvendo governadores de Estado que lhe faziam oposição, representantes de movimentos sociais e até mesmo cidadãos comuns que dele se aproximavam. Ofereceu péssimos exemplos em matéria de educação política e, mesmo, de civilidade, o que, no entanto, era coerente com seu perfil de político limitado intelectualmente.