Nonato Guedes
A deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, parece ter perdido a paciência com a pressão sistemática do “Centrão”, agrupamento fisiológico influente no Congresso, sobretudo na Câmara, por espaços no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em detrimento do próprio PT e de outros partidos, mais alinhados ideologicamente com a gestão. Na sexta-feira, Gleisi fez um desabafo através das redes sociais sobre a insistência do “Centrão” em tratorar o governo na busca por cargos e vantagens. Fulminou, sobretudo, a pressão que é exercida em torno de cargos, de verbas e de poder sobre as emendas parlamentares, alegando que o objetivo é apenas atender “interesses políticos insaciáveis”. Foi uma guinada na postura da dirigente petista, que até recentemente procurou acalmar expoentes do seu partido teorizando sobre a necessidade de repartir o poder para manter a governabilidade.
Os partidos do “Centrão” que mais dão trabalho ao Planalto são o Progressistas (PP), o Republicanos e o União Brasil, que já indicaram, inclusive, ministros desafinados com o governo ou envolvidos em polêmicas que o próprio presidente Lula teve a preocupação de desenrolar para não desgastar o mandato nem comprometer metas estabelecidas. Mas a base de sustentação partidária do governo é mais ampla e abriga siglas de esquerda como o PSB, do vice-presidente Geraldo Alckmin, uma escolha pessoal de Lula ditada por razões estratégicas-eleitorais na jornada para retomar o Planalto. O que se constata, da parte do presidente da República, é um verdadeiro malabarismo para tentar acomodar interesses de supostos aliados na Esplanada dos Ministérios, sem que haja um mapeamento seguro e confiável quanto ao “Índice de Governismo”, ou seja, de fidelidade na aprovação de matérias no Parlamento. Se não houve derrotas estrondosas em matérias pontuais, isto se deveu ao fato de que Lula precisou fazer muitas concessões, a um preço elevado e, ao mesmo tempo, desgastante para a própria imagem da administração.
A cada princípio de votação que se ensaia no Parlamento o governo se enreda em penosas articulações de bastidores com o fito de assegurar a maioria necessária para construir projetos que deseja ver implementados, em sintonia com as transformações que foram prometidas à sociedade na campanha eleitoral de 2022. Os temas mais complexos, ou delicados, são os de natureza econômica, a exemplo do arcabouço fiscal que foi votado e da própria reforma tributária que está em tramitação no Senado Federal, ou assuntos da chamada pauta de costumes, esta infinitamente mais sensível por abarcar questões como o aborto, a descriminalização de drogas, etc. Em regra, líderes dos partidos que compõem a base de sustentação do governo Luiz Inácio Lula da Silva evitam fechar questão, de forma peremptória, quanto às polêmicas agitadas, em virtude do alto grau de radicalização por parte de políticos que representam segmentos específicos mas bastante organizados da sociedade e que também buscam testar a fragilidade ou a vulnerabilidade do governo sobre a agenda que lhe interessa.
Diz, textualmente, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann: “No momento em que o país precisa direcionar os seus investimentos para o crescimento econômico e para políticas públicas de caráter estruturante, deputados federais querem obrigar o governo a pagar emendas parlamentares. É uma intervenção indevida na aplicação do Orçamento da União”. A dirigente, que é uma espécie de “alter-ego” do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, reconhece que a aprovação das emendas é um direito e, igualmente, um dever do Legislativo, mas advertiu que cabe ao Executivo executar o Orçamento de uma forma planejada e ordenada, levando em consideração as limitações existentes, as prioridades que estão definidas por parte do núcleo influenciador do governo e, enfim, a radiografia completa da conjuntura. Isto significa, para a deputada Gleisi Hoffmann, que os parlamentares devem se abster de “intromissões indébitas” na governabilidade, pelos efeitos que isto produz no sentido de afetar o andamento do cronograma administrativo que contém pontos inalteráveis ou irreversíveis.
A verdade é que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está a braços com um impasse monumental, no seu terceiro mandato, devido à circunstância de que o seu Partido dos Trabalhadores não logrou conquistar maioria nas eleições legislativas – para o Senado Federal e a Câmara dos Deputados, em 2022, sem falar, também, que o mandatário e a cúpula do partido abriram mão da disputa de cargos de comando como as presidências das duas Casas, que são consideradas essenciais para a organização e aceleração das pautas de acordo ou em sintonia com os interesses do governo. Esta semana, em conversa com interlocutores, Lula tentou amenizar críticas às concessões que são feitas mostrando números que apontam votos preciosos para o seu governo em partidos como o Progressistas, o Republicanos e o União Brasil. O presidente deixou claro que, sem o famigerado “toma lá, dá cá”, não há como avançar nas reformas que se comprometeu a adotar na volta ao Palácio do Planalto. Um exemplo de que a situação pode piorar é que já se articulam, em Brasília, tratativas para eleições ao comando da Câmara e Senado entre candidatos de outros partidos, sem que o PT identifique, no horizonte, chances para equilibrar essa correlação de forças que dá tanta dor de cabeça a Lula, ao governo e aos petistas.