Nonato Guedes
A Câmara dos Deputados aprovou, ontem, o projeto de lei de autoria da deputada Talíria Petrone, do Psol-RJ, e do deputado federal Damião Feliciano (União Brasil-Paraíba) que estabelece a criação de uma bancada negra. Com isso, o bloco passa a ser reconhecido pelo regimento da Casa, contando com 122 parlamentares que passam a ter representação direta no colégio de líderes. Sua fundadora ressalta que, com a sua criação, será possível organizar os esforços para deter o avanço da chamada PEC da anistia partidária (Proposta de Emenda à Constituição número 9, de 2023), que tem provocado intensa controvérsia nos meios políticos.
De acordo com Talíria Petrone, o estabelecimento da bancada negra constitui o primeiro passo dado pela Casa para o enfrentamento do racismo no meio político. “A Câmara reconhece que há uma desigualdade racial no Brasil e que, por isso, os parlamentares negros precisam ter espaço para sua voz, um espaço específico”, afirmou. E acrescentou: “É um momento histórico a criação desse espaço para organização da voz política dos negros no Congresso Nacional”.
Uma reportagem do “Congresso em Foco” mostra que, diferentemente de uma frente parlamentar, as bancadas formalizadas no Regimento Interno contam com vantagens formais na articulação de projetos de lei. Elas possuem tempo regimental próprio para fala de seus quadros nas sessões plenárias, podem emitir suas próprias orientações de bancadas e possuem espaço permanente nas reuniões de líderes, momento em que são debatidos os projetos que serão levados para a votação em plenário. A aprovação se deu em um momento de congelamento nos debates em torno da PEC 9/2023, que está tramitando em comissão especial da Câmara dos Deputados e que prevê o perdão às multas impostas aos partidos que, nas eleições de 2022 descumpriram com as cotas orçamentárias para candidaturas negras. Talíria espera que com o estabelecimento do novo bloco seja possível garantir o enfrentamento à proposta, que é apoiada tanto pelo governo quanto pela oposição.
“Eu não tenho a menor dúvida de que a organização da bancada negra é um instrumento importante para enfrentar qualquer retrocesso em relação aos direitos já estabelecidos para parlamentares e para qualquer pessoa vinculada à população negra que pleiteia ocupar espaço político nesse momento”, declarou. Apesar da PEC 9/2023 contar com apoio de caciques partidários, ela sofre resistências de parlamentares mulheres e negras dentro de cada sigla, que passam a conseguir atuar em bloco caso formem maioria na bancada. A previsão na bancada é de convocação de uma reunião na semana do dia 6 para a organização dos trabalhos, incluindo o pleito para a coordenação da bancada. Na semana seguinte será definida a liderança do bloco por meio de acordo entre os partidos que o compõem. Talíria Petrone conta que a tendência é de escolha pelo nome de algum dos parlamentares que atuaram na própria articulação para a criação da bancada.
O deputado paraibano Damião Feliciano considera a criação da bancada negra uma conquista importante para conscientizar a própria sociedade quanto aos resquícios de preconceito racial que, segundo ele, permanecem latentes e intocáveis. Ressalta que, ao invés de representar a busca de privilégio para um segmento da sociedade, trata-se de um mecanismo de autodefesa para a proteção de direitos que são segregados pela ditadura de grupos racistas que sempre forçam a barra para ocupar espaços e exercer um protagonismo quase absoluto nas decisões importantes, como por exemplo as que são originárias do Parlamento brasileiro. “Enfim, é de se levar em consideração que a dívida da sociedade brasileira para com a população negra ainda é bastante elevada, apesar de concessões pontuais e de conquistas que têm sido alcançadas por meio da mobilização de grupos engajados. Cria-se, portanto, uma oportunidade para que seja ampliado o poder de fala e a capacidade de influência de um segmento expressivo nas decisões que interessam de perto à sociedade como um todo. O simbolismo desse bloco é extraordinário para a própria mudança cultural no país”, finalizou o deputado Damião Feliciano, que é coordenador da bancada federal da Paraíba em Brasília, composta por deputados e por senadores.