Nonato Guedes
Na última terça-feira, 30 de outubro, completou-se um ano da vitória do líder petista Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República, em segundo turno, contra Jair Bolsonaro (PL), que então estava no poder e entrou para a história política recente como o primeiro mandatário a não se reeleger. Lula não perdeu a oportunidade e sublinhou a expressividade de sua vitória, que significou, também, a sua reabilitação política e moral depois de ter cumprido 580 dias de prisão na Polícia Federal em Curitiba. Segundo ele, Jair Bolsonaro “entrou em parafuso” depois de ser “nocauteado” nas eleições de 2022, recebendo o resultado com tanta surpresa que precisou “se trancar em casa” para “ficar chorando”. Bolsonaro alimentou o tempo todo a ilusão de que era o Messias de um reinado longo, embora houvesse indícios que com o tempo transformaram-se em evidências do desgaste enfrentado pelo seu único mandato.
Um dos fatores decisivos para a derrota de Bolsonaro foi a postura negacionista adotada em plena pandemia de covid-19, mas o ex-presidente notabilizou-se, também, pela postura de conflito permanente que sustentou em relação a poderes constituídos e a instituições como a imprensa, implantando uma orquestração temerária que criou inúmeros momentos de sobressalto para a normalidade democrática, diante do flerte ostensivo com o autoritarismo, espelhado, para ele, no AI-5, o famigerado édito legado pela ditadura militar para amordaçar as liberdades públicas. De resto, afetou a governabilidade do país na Era Bolsonaro a postura isolacionista que ele adotou no tocante à diplomacia externa, denegrindo a própria imagem do Brasil no conceito internacional. Sem grandes programas de repercussão que diferenciassem o seu governo e com discursos sem nexo que eram apelos insistentes ao populismo, o ex-presidente pôs em risco a liturgia do cargo e apostou fichas, equivocadamente, na ideia de um golpe, que seria um retorno à exceção ou à temporada de arbítrio que fora imposta em 1964 sob o manto das baionetas.
– A nossa vitória foi tão maiúscula que ele (Jair Bolsonaro) ficou nocauteado, ficou dentro de casa um mês porque não sabia o que fazer com a quantidade de dinheiro que eles jogaram durante o processo eleitoral, a quantidade de utilização da máquina pública para tentar evitar perder as eleições – relatou Lula durante a transmissão do programa “Conversa com o Presidente”, da EBC. Ele frisou, também, que as eleições do ano passado presenciaram o uso inédito de uma “máquina da mentira”, referindo-se à disseminação de fake news por parte do presidente de plantão e da sua rede de apoiadores, espalhados por redes sociais e mídias digitais. Havia cálculo nessa estratégia, cujo desideratum intentado era o de ocasionar um apagão nacional sobre as mazelas de que estava se revestindo a Era Bolsonaro, mediante lavagem ideológica e outros expedientes capciosos, típicos de governantes vocacionados para o papel de ditadores. “Jair Bolsonaro inventava uma mentira por segundo e fazia questão, entre outros pontos, de inventar remédio para quem estava com covid e mentir sobre a economia”, recordou Lula, aludindo à pregação de Bolsonaro pelo uso da cloroquina para combater o coronavírus.
O presidente Luiz Inácio relembrou os primeiros ataques em Brasília, quando manifestantes pró-Bolsonaro queimaram três carros e cinco ônibus no centro da capital do país, em 12 de dezembro. Afirmou que, desde aquela época, o adversário já se recolhia em casa para planejar um golpe de Estado. “Bolsonaro estava preparando um golpe para o dia da minha diplomação, as quando mudei a data para 12 de dezembro eles foram pegos de surpresa. Mesmo assim, fizeram aquele carnaval em Brasília, tocaram fogo em ônibus, com a proteção da polícia. Eu estava em um hotel e vendo tudo que estava acontecendo. Então, este foi um ano glorioso para a democracia brasileira. O povo que pensa no país, que quer construir um Brasil saudável, humanitário, em que as pessoas vivam felizes para construir suas famílias, esse povo venceu as eleições”, prosseguiu Lula, traçando um diagnóstico certeiro da conjuntura. Para ele, Bolsonaro utilizou as instituições públicas a seu favor como nunca um presidente havia tentado antes.
Lula mencionou como exemplo as Forças Armadas, as polícias estaduais, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Federal, que Bolsonaro tentou instrumentalizar o tempo todo para satisfazer seus caprichos e tentar implementar medidas antidemocráticas. De acordo com o atual presidente, a Justiça Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal tiveram um papel excepcional na garantia do processo democrático. “Eu nunca tinha visto ninguém ameaçar a Suprema Corte, pegar um bando de coronel ou general aposentado e colocar dúvidas sobre as urnas eletrônicas que são respeitadas no mundo inteiro”, emendou. Sobre o questionamento do resultado das eleições, Lula também mencionou os ataques registrados no dia 8 de janeiro deste ano na Praça dos Três Poderes em Brasília. Enfatizou que cada pessoa que tiver culpa será condenada, “porque as pessoas precisam aprender a viver democraticamente”. Esta é a grande lição que resume a ópera das eleições em que Bolsonaro foi inapelavelmente derrotado apesar de todas as “chicanas” que materializou.