Nonato Guedes
Numa longa entrevista à revista Ela, do jornal O Globo, que foi publicada ontem, a socióloga Rosângela da Silva, a Janja, rebateu a discriminação machista que sofre no governo do próprio marido, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e anunciou que pretende ter uma atuação maior em pautas que são do interesse público. Ela citou Michelle Obama, mulher do ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, como principal “inspiração” na política, informou que gostaria de ter um gabinete ao lado do ocupado por Lula no Palácio do Planalto e assim se referiu ao patrulhamento que enfrenta: “Quem faz essa crítica não enxerga o mundo em que a gente vive hoje. Vou continuar ao lado do presidente, porque acho que esse é o papel que tenho que desempenhar”. Ela já foi qualificada como sucessora de Lula e sua desenvoltura chama, frequentemente, a atenção da mídia internacional.
Lula e Janja se aproximaram quando ele esteve preso na superintendência da Polícia Federal em Curitiba e ela participou do acampamento montado nas imediações por partidários e admiradores do ex-mandatário, numa espécie de vigília pela sua liberdade, em meio ao coro de que o líder petista estava sendo vítima de uma das maiores injustiças da história do país. A socióloga acompanhou Lula quando ele foi posto em liberdade e engataram um namoro que deu em casamento. Independente de afetividades, Janja atuava como militante do Partido dos Trabalhadores, sendo presença ativa nos bastidores de acontecimentos históricos vividos pela legenda. Na campanha presidencial de 2022, acompanhou Lula quando ele foi a debates com Jair Bolsonaro em emissoras de televisão e, desde a posse, ampliou sua presença no entorno do Planalto, chegando a entrar em atrito com ministros de Estado. Ainda recentemente, quando Lula se recuperava de uma cirurgia, foi ela e não o vice-presidente Geraldo Alckmin que viajou ao Rio Grande do Sul para acompanhar, de perto, a extensão dos danos causados pelas enchentes. Janja também circula à vontade nos meios artísticos e culturais e em inúmeras vezes quebrou protocolos no Palácio, demonstrando o temperamento independente que exibe no dia a dia.
“Falam muito de eu não ter um gabinete, mas precisamos recolocar essa questão. Nos Estados Unidos, a primeira-dama tem. Também tem agenda, protagonismo e ninguém questiona. Por que se questiona no Brasil? Vou continuar fazendo o que acho correto”, revelou Janja, acrescentando que foi a única primeira-dama a entrar com o marido em uma reunião do G-20, a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ela ressalta, no entanto, que não participa de toda a agenda oficial, mas mantém contato próximo com Lula, inclusive para questionar sobre determinadas ações. “Todo dia, ele tem uma reunião com os ministros do Palácio do Planalto, mas não estou nesses espaços de decisão. Minhas conversas com o presidente são dentro de casa, no nosso dia a dia, no fim de semana, quando a gente toma uma cerveja. Quando estou incomodada, eu vou lá e questiono. Não é porque sou mulher do presidente que vou falar só de marca de batom”. A sua antecessora no posto, Michelle Bolsonaro, cujo perfil é o extremo oposto do de Janja, segue cumprindo agenda política e cultivando pretensões – ora sendo lembrada para disputar o Senado, ora para concorrer à própria Presidência da República, diante de impedimentos que o marido, Jair, enfrenta do ponto de vista legal.
A socióloga, na entrevista, falou ainda da relação próxima que tem com ministras, da cobrança sobre mais espaço para mulheres no governo e do machismo que existe na estrutura governamental do governo progressista. Admite: “Às vezes, a gente tem umas discussões um pouco assim…mais fortes”. Sobre as ameaças e ataques que sofre, sobretudo nas redes sociais, Janja disse que cobrou a diretora do Google sobre fake news nas redes, quando – “sabia que digitando no Google “Janja prostituta” aparecem trocentas fake news?” – e que “tem também a violência e o machismo do entorno que cerca Lula. “Entendo, mas não aceito”, complementou, demonstrando insubmissão com o comportamento de ministros e interlocutores da confiança do presidente da República que não escondem incômodo pela sua atuação em Brasília. “O que as pessoas pensam e falam não está na minha governabilidade. Eu tento não levar para o lado pessoal e responder com trabalho”, salientou. Janja também falou sobre a desconstrução do machismo pelo marido, que aos 78 anos de idade busca compreender cada dia mais sobre o assunto, segundo ela.