Em meio ao transcurso, hoje, dos 134 anos da Proclamação da República no Brasil, evento ocorrido em 1889, diversos historiadores concordam que o processo pode ser entendido como um “golpe de Estado”. O professor de História da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Wesley Santana, afirmou ao UOL: “Podemos considerar a Proclamação da República como um golpe de Estado por conta da velocidade, da atuação militar e da movimentação contra um poder constituído”. E acrescenta: “Um golpe de Estado é um movimento brusco, rápido, em que um poder legitimamente constituído é retirado por uma outra força. A Proclamação da República não foi um movimento revolucionário. Dom Pedro II foi retirado à força do seu cargo”.
Nesta data, há 134 anos, tropas do exército foram responsáveis por destituir o então Imperador brasileiro Pedro II. O ato pôs fim ao governo imperial, que vigorou no país desde a Independência em 1822. A Proclamação foi realizada essencialmente por militares, que escolheram o Marechal Deodoro da Fonseca como o primeiro presidente do Brasil. Às vésperas da Proclamação da República, o governo de Dom Pedro II enfrentava uma série de crises, que desgastavam a monarquia brasileira. O fim da escravidão deixou o imperador sem apoio das elites cafeicultoras, numa época em que o café era o principal produto econômico do Brasil. Após o fim da Guerra do Paraguai, os militares se fortaleceram e passaram a exigir uma maior participação nas decisões políticas do país. A proclamação deu partida ao período intitulado na historiografia como “República Velha”, que vai até a República de 1930, quando foi inaugurada a Era Vargas.
Os historiadores também consideram a ausência da participação popular como um dos indicativos de que a instauração da República no Brasil aconteceu por meio de um movimento golpista. Apesar disso, a professora da Universidade Federal de Minas Gerais, Heloísa Starling, afirma que o debate sobre o republicanismo estava em alta no Brasil e, portanto, a população não foi pega de surpresa em novembro de 1889. Ela sustenta: “O debate já era vigente e importante, com o traço mais avançado do republicanismo em alguns setores, ligado ao bem comum e à ideia de que a República traria um conceito novo de cidadania”. Ao explicar por que durante tanto tempo a Proclamação não foi considerada um golpe, Heloísa Starling afirma que se criou uma interpretação conveniente do passado. Segundo ela, classificar o movimento como um golpe daria a ele um viés “muito autoritário” que poderia empanar a República.
No livro “A História do Brasil em 50 Frases”, Jaime Klintowitz relata: “A República nasceu assim: tropas na rua, zero de participação popular, resistência nula. No calor do momento, o jornalista Aristides Lobo escreveu no “Diário Popular”: – O povo assistiu àquilo bestificado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada”. Republicano histórico, Lobo foi nomeado ministro do Interior do governo provisório. Dom Pedro II foi avisado em Petrópolis do movimento e retornou às pressas ao Rio, na madrugada, de trem, sem dar crédito às notícias da queda do regime. Pensava debelar a crise com a convocação de um novo gabinete. O marechal Deodoro, por sua vez, foi para casa e dormiu o resto do dia. Só à noite, ao saber que o nome indicado para chefiar o novo ministério era o de um desafeto seu, o senador Gaspar da Silveira Martins, ele decidiu que, afinal de contas, havia proclamado a República.
Jaime Klintowitz acrescenta: “Faltou coragem a Deodoro para dizer isso pessoalmente ao imperador. Eram amigos e, explicou, acabariam os dois por chorar. A velha amizade não impediu que em carta enviada no dia seguinte estabelecesse o exíguo prazo de 24 horas para o cidadão Pedro de Alcântara abandonar o Brasil com a família. Ainda espanta a passividade do imperador diante do golpe. O governo imperial estava bem informado sobre o andamento da conspiração nos quartéis, mas o imperador nada fizera para defender seu trono. No dia 15 de novembro, havia dois mil soldados leais à monarquia de prontidão nos fundos do quartel-general, mas ninguém deu a ordem de resistir. O único a enfrentar o golpe militar foi o Barão de Ladário, ministro da Marinha. Ao receber ordem de prisão da escolta de Deodoro, Ladário puxou do revólver, que negou fogo. Ferido pelos soldados com quatro balaços, sem gravidade, foi colocado em um bonde para receber cuidados médicos em casa”.
Deodoro não tinha paciência para o jogo político de uma democracia, que durou um mês, na melhor das hipóteses. A censura à imprensa foi imposta já no dia seguinte ao golpe. Deodoro comandou o governo provisório e, a seguir, foi nomeado presidente pela Assembleia Constituinte. Meses depois, ele dissolveu o Congresso Nacional. Por fim, em novembro de 1891, abalado pela balbúrdia, renunciou em favor do vice, Floriano Peixoto”. Jaime Klintowitz conclui asseverando: “No alvorecer do século XX, o Brasil convertera-se em república bananeira: assassinatos políticos, tribunais de exceção, imprensa censurada, golpes e contragolpes, revoltas populares, greves, quarteladas e guerra civil. O primeiro presidente civil, Prudente de Moraes, assumiu em 1894. A estabilidade institucional veio aos poucos, só se consolidando na década seguinte”.