Nonato Guedes
Dois ministros do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ocupam posições de destaque na Esplanada de Brasília e são cogitados como supostos “presidenciáveis”, na hipótese de Lula não concorrer à reeleição em 2026, tornaram-se alvos de bombardeio do próprio Partido dos Trabalhadores e da chamada mídia liberal. Flávio Dino, que é do PSB e titular da pasta da Justiça, desgastou-se na crise ocasionada pela participação da mulher de um traficante de drogas amazonense em reuniões no ministério. Desta vez, o fogo cruzado foi mais veemente por parte da oposição, mas há tempos que Dino convive com o “fogo amigo” do PT. O outro ministro é Fernando Haddad, da Fazenda, que caiu em desgraça ao defender aumento de gastos com obras, deixando em segundo plano a meta de zerar o déficit nas contas públicas. Lula teria exposto Haddad, abrindo espaço para críticas de setores petistas que nunca absorveram seus planos de austeridade, à frente o chefe da Casa Civil, Rui Costa.
O presidente Lula, ao sentir a elevação da temperatura, apressou-se em defender o seu ministro da Justiça, rebatendo que há “uma clara ação orquestrada” nos ataques feitos a Flávio Dino pelos jornais “O Globo” e “O Estado de S. Paulo”, que estariam alimentando a máquina de fake news da ultradireita bolsonarista. Em artigo no “Congresso em Foco”, a jornalista Lydia Medeiros afirma que a reportagem do Estadão contra Dino é puro factoide e lembra que desde o editorial de 17 de agosto, quando o chamou de “animador de auditório”, o veículo não perdoa o ex-governador do Maranhão. Flávio Dino, além de figurar no rol dos prováveis “presidenciáveis”, é candidato a uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal, e o presidente Lula tem retardado a sua indicação por causa das polêmicas em que se envolveu e que, em última análise, envolvem diretamente o próprio governo. O fato concreto é que a “ação orquestrada” da mídia liberal e de aliados descontentes tem abastecido a horda bolsonarista com munição para descredibilizar a própria terceira gestão de Lula.
No dia de ontem, Flávio Dino esboçou uma ofensiva para neutralizar o bombardeio que sofre, anunciando nas redes sociais uma operação da Polícia Federal contra o tráfico internacional de drogas, no Rio de Janeiro, com bloqueio de contas bancárias e sequestro de R$ 126 milhões em bens. “Caminho certo contra o crime organizado”, escreveu Dino, imbuído do propósito de virar a página e mostrar serviço depois da defesa do presidente Lula na crise. Sabe-se que uma ala do Partido dos Trabalhadores defende a criação de um ministério da Segurança Pública, esvaziando as funções da pasta da Justiça. Esses petistas veem o ministro Flávio Dino como potencial candidato ao Planalto em 2026, na hipótese de Lula resolver não disputar a recondução. Dentro do PT, também existem os que não gostam de ver o nome de Flávio Dino na lista de cotados para a vaga deixada pela ministra Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal. Conforme as versões de portais, esses expoentes petistas prefeririam alguém mais diretamente vinculado ao partido, como, por exemplo, Jorge Messias, Advogado Geral da União.
A reação de Dino, chamando atenção para a dimensão do problema do crime organizado, pode indicar eventuais dificuldades para Lula levar o ministro da Justiça para o STF. A situação é considerada grave em Estados como o Rio, a Bahia, o Ceará e o Amazonas, quanto à ação do crime organizado, e pode vir a custar a Lula uma perda de popularidade, principalmente no momento em que pesquisas já revelam declínio na aprovação do governo. Lula tem protelado sua decisão, deixando Flávio Dino no fogo cruzado entre a oposição e os petistas. Em seu tuíte, o presidente da República garantiu que “não haverá recuos diante de criminosos e de seus aliados, estejam onde estiverem, sejam eles quem forem”. A opinião dominante, em segmentos da sociedade, é que diante da repercussão do caso e dos prováveis autores ocultos dos ataques, o presidente da República deve mesmo encontrar e punir os culpados, sejam eles quem forem. Afinal de contas, está em jogo a chamada “governabilidade”, que exigiu de Lula, conforme ele confessou, um árduo trabalho de “concertação política” não só junto ao Partido dos Trabalhadores como a outros partidos de esquerda que se dispuseram a apoiá-lo na cruzada para derrotar o bolsonarismo.
No que diz respeito à situação do ministro Fernando Haddad, da Fazenda, a impressão é de que Lula parece ter cedido aos apelos dele e concordando em adiar o debate sobre a meta fiscal de 2024, já que o prazo para emendas ao projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias encerra-se nesta sexta-feira. O ministro, informa o “Congresso em Foco”, quer ganhar tempo para aprovar os projetos que ajudariam a aumentar a arrecadação e cumprir a meta, como, por exemplo, a maior taxação de empresas que receberam benefícios fiscais de ICMS e a tributação de fundos de investimento exclusivos e no exterior. Haddad teme que essas propostas percam força, se o governo admitir o rombo. No entanto, o deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ), que é vice-líder do governo, já apresentou emendas ao projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias. Uma delas prevê um déficit de 0,75% do PIB e a outra, de 1%, e, teoricamente, servirão apenas para marcar posição e manter a contestação ao programa de Haddad. Lula está sendo alertado para equacionar o contencioso antes que ele se alastre e o governo venha a perder o controle da situação.