Nonato Guedes
Neste dia 20 de novembro o Brasil celebra o Dia da Consciência Negra, uma data que marca os 327 anos da morte de Zumbi dos Palmares, sendo uma oportunidade não apenas para recordar o legado desse líder como para refletir sobre a importância da conscientização e luta contra o racismo. A data evoca, também, uma figura marcante na vida da Paraíba – o arcebispo Dom José Maria Pires, que faleceu em 27 de agosto de 2017 aos 98 anos em Belo Horizonte e que esteve, por três décadas, de 1965 a 1995, à frente da Arquidiocese Metropolitana do nosso Estado. Apelidado inicialmente como “Dom Pelé”, Dom José acabou se assumindo como “Dom Zumbi”, e foi pioneiro ao criar a Pastoral dos Negros na jurisdição da Paraíba.
Dom José fez um movimento junto à CNBB em favor dessa causa e, a partir de 1980, começaram a ser organizados grupos de reflexão dentro da própria Igreja. A primeira iniciativa começou com o grupo União e Consciência Negra. Depois, surgiram outros grupos intitulados Agentes de Pastoral Negros e o Instituto Mariama, que reunia bispos, padres e diáconos negros. Uma das consequências dessas iniciativas foi a Missa dos Quilombos, celebrada para um grande público em Recife, no dia 22 de novembro de 1981. Os cânticos tocados na missa foram compostos por dom Pedro Casaldáliga e Pedro Tierra, com música de Milton Nascimento, que também participou da celebração. O ato religioso denunciou as consequências da escravidão e do preconceito racial no Brasil e se transformou numa cerimônia de fé, comunhão e solidariedade, conforme escreve Mauro Passos no livro “Profetas e Místicos da Terra Brasileira”.
A celebração foi presidida por dom José Maria Pires e concelebrada por dom Helder Câmara e dom Pedro Casaldáliga. Na homilia, Dom José afirmou: “Mais longa que a servidão no Egito, mais duro que o cativeiro da Babilônia foi a escravidão no Brasil”. A missa foi em frente à Igreja do Carmo, onde a cabeça de Zumbi fora exposta séculos atrás. Os sons dos tambores e as danças africanas deram um toque diferente em vários momentos da liturgia. A partir desse momento, dom Pedro Casaldáliga chamou o arcebispo da Paraíba de “Dom Zumbi”. Assim lembra Dom Zumbi em sua reflexão:
– Chegou o tempo de tanto sangue ser semente, de tanta semente germinar. Está sendo longa a espera. Da morte de Zumbi até nós são decorridos já quase três séculos. O negro, como negro, continua marginalizado. Na própria Igreja, são tão poucas exceções que não abalam a tranquilidade do preconceito racial.
A celebração foi muito contestada. Os jornais de Recife publicaram artigos contra, afirmando que no Brasil não havia racismo e que a missa dos Quilombos era uma maneira de fomentar a discórdia na sociedade. No dia da missa, havia folhetos espalhados nas ruas condenando a sua realização. Os opositores espalharam outros cartazes afirmando que a missa era uma celebração promovida por alguns bispos vermelhos, com caráter revolucionário, sem aprovação da CNBB. Alguns meses depois, a missa dos Quilombos foi proibida pelo Vaticano. No entanto, o compromisso com os pobres continua no centro do Evangelho. Zumbi assumiu a liderança do Quilombo dos Palmares em 1678, enfrentando durante quase duas décadas as investidas de portugueses e holandeses.
O quilombo, composto por cerca de 20 mil habitantes em vários mocambos, representava um desafio ao sistema escravista vigente. A vida de Zumbi é cercada de incertezas, e diferentes versões sobre sua origem e trajetória coexistem. Uma narrativa tradicional sugere que Zumbi foi sequestrado na infância, criado por um padre e posteriormente retornou a Palmares, onde assumiu a liderança. Contudo, essa versão tem sido contestada devido à falta de evidências concretas. Coube à presidente Dilma Rousseff, em 2011, instituir o dia 20 de novembro como o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.