Nonato Guedes
Durante debate de que participou, ontem, na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, denunciou um cenário crucial de violência, misoginia e desigualdade social que se verifica no país e foi incisiva: “As mulheres estão num quadro de exclusão social absoluto”. Ela revelou que das 33 milhões de pessoas que passam fome no Brasil, 80% são mulheres, e a grande maioria é de mães solos e negras. Esses números são acompanhados do aumento de casos de feminicídio e de misoginia, constituindo estatísticas alarmantes, na opinião da ministra. O alerta coincidiu com a divulgação, pela Procuradoria da Mulher do Senado, da décima pesquisa nacional de violência contra a mulher, feita pelo Instituto DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência. A triste realidade: três a cada dez brasileiras já foram vítimas de violência doméstica.
Mais de 21 mil mulheres responderam à pesquisa de 2023, o que tornou o estudo o maior sobre violência doméstica já realizado no Brasil, apenas com mulheres. Para a procuradora da Mulher no Senado, senadora Zenaide Maia (PSD-RN), a divulgação do estudo é um marco que ajuda a esclarecer avanços obtidos pelo país nessa temática e podem orientar medidas a serem tomadas para o enfrentamento à violência contra as mulheres. De acordo com a senadora, os resultados podem ser analisados agora em nível estadual. A série histórica do estudo apresenta estabilidade nos números da violência estrutural contra a mulher, como afirmou Isabela Lima, chefe do Serviço de Pesquisa e Análise do DataSenado à Agência Senado. De acordo com ela, a manutenção dos indicadores demonstra que o assunto merece atenção de toda a sociedade, principalmente para conscientizar de que a agressão não é uma conduta natural. “É um problema de todos, sobre o qual temos que nos mobilizar, e é fundamental parar o ciclo da violência”, acrescentou.
A ministra Cida Gonçalves informou que o combate à misoginia – ódio ou aversão às mulheres – é uma das principais frentes de atuação ministerial, que conta com R$ 23 milhões no orçamento para áreas fins. Acentuou que a questão da discriminação, do preconceito e do ódio contra as mulheres se sustenta em um país que hoje se rege a partir da intolerância ideológica. “Qual é o fenômeno que está acontecendo no Brasil que permite um aumento da violência dessa forma? Enfrentar a misoginia é um passo estratégico para que possamos, de fato, ter um país que garanta os direitos das mulheres. Por essa razão, a misoginia não pode ser um problema só do governo – tem de ser combatido a partir de um movimento do indivíduo para a sociedade”, frisou a ministra. Cida Gonçalves advertiu que, atualmente, há 80 canais que empregam o ódio contra as mulheres no YouTube e, desses, 35 são monetizados. “O que mais nos assusta é que esses 80 canais têm oito milhões de seguidores. São oito milhões de pessoas todos os dias sendo incentivadas pelo ódio. Não podemos aceitar”. A gestora adiantou que além de trabalhar pela autonomia econômica das mulheres e o enfrentamento à violência e à misoginia, também é pauta do ministério o empoderamento das mulheres.
Presidente da CDH, o senador Paulo Paim (PT-RS) lembrou, a propósito, a recente aprovação no Congresso do projeto de lei que culminou na sanção da Lei 14.611/2023, garantindo igualdade de salário e de critérios de remuneração entre trabalhadoras e trabalhadores nas mesmas funções. “As mulheres têm de se apropriar dessa lei”, pregou o senador, ao defender que se faça cumprir a legislação instituída em julho deste ano e que estava há pelo menos 20 anos em debate no Legislativo. Cida Gonçalves destacou ainda que as mulheres não conseguem ser chefes porque, no fim da tarde, têm de pegar os filhos nas creches e outras preocupações domésticas que acabam impossibilitando-as de se dedicarem mais tempo a cargos profissionais.
Na opinião do senador Fábio Contarato, do PT-ES, apesar dos direitos previstos na Constituição, “ainda há muito o que se fazer num Brasil tão desigual, num Brasil tão sexista, num Brasil tão machista”. O parlamentar disse ter ficado muito feliz com o tema da redação do Enem deste ano: o trabalho e o dever do cuidado, um encargo majoritariamente entregue às mulheres e, ainda por cima, invisibilizado. “Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. É uma função nossa dar efetividade a essa garantia constitucional”, ponderou.
A senadora Eliziane Gama (PSD-MA) chamou a atenção para a falta de autonomia das mulheres, em especial no que toca à questão financeira. A parlamentar lembrou que uma grande parte das mulheres não consegue sequer denunciar atos violentos da parte do marido, por ser ele o provedor da casa. Temem não dispor de recursos para a criação dos filhos caso o cônjuge seja preso. Para a ministra Cida Gonçalves, não é preciso haver aumento de pena, mas julgamento e punição. Se há risco de vida, o Estado tem que proteger a mulher. Por isso, a ministra defende, como medida protetiva, o uso de tornozeleira eletrônica por homens que praticam violência contra as mulheres. A senadora Leila Barros, do PDT-DF, também destacou o aumento dos casos de feminicídio e ratificou a necessidade de implementação de políticas para que as mulheres saiam do ciclo de violência.
A senadora manifestou o apoio da bancada feminina no Senado a essa luta, “para que possamos, juntas, levar mais orçamento para o ministério”. Há 300 unidades voltadas à elaboração de políticas para as mulheres no país. No entanto, seriam necessárias, pelo menos, 2,5 mil secretarias nos Estados e municípios dedicadas a discutir os problemas das mulheres e criar mecanismos para defende-las. A ministra disse ser ainda um desafio a implementação das delegacias 24 horas, explicando que os governadores alegam falta de condições para tanto, pelo menos até o momento. Mas acredita que mecanismos como a Patrulha Maria da Penha precisam ser fortalecidos. “O silêncio da sociedade brasileira é que assassina as mulheres todos os dias”, concluiu a ministra Cida Gonçalves.