Nonato Guedes
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que protagonizou guinada espetacular em 2022, saindo da prisão para voltar, nos braços do povo, ao Palácio do Planalto, voltou a surpreender no agitado ano de 2023, que se encerra melhor do que prognosticavam os seus críticos, especialmente a “turba” bolsonarista derrotada nas urnas e treinada na orquestração de golpe. O ano de 2023, aliás, como cita retrospectiva de Lydia Medeiros no “Congresso em Foco”, começou com a tentativa de golpe, contida por arranjos que envolveram forças democráticas mobilizadas em forma de vigília. A estabilidade do terceiro mandato de Lula, espelhada, também, na reunião dos chefes dos Poderes para a promulgação da reforma tributária, significou o coroamento do pacto firmado para possibilitar a travessia da crise e, consequentemente, o avanço do governo, no sentido de remontar setores que haviam sido destruídos na Era negacionista de Bolsonaro.
Nesse sentido, o presidente Lula teve habilidade política para se compor com expoentes do chamado “Centrão”, um agrupamento que tem se fortalecido no Congresso, especialmente na Câmara dos Deputados, e que tem sido parte inseparável da governabilidade no país, diante da influência avassaladora que passou a exercer sobre o Orçamento da União. O governo, naturalmente, teve que fazer concessões e aprender a conviver com o que já foi denominado de “parlamentarismo orçamentário”, do contrário, teria se enfraquecido e perdido respaldo e credibilidade para acelerar reformas exigidas que ficaram congeladas na prateleira durante uma gestão desastrosa. A reforma tributária, que teve no ministro Fernando Haddad um articulador fundamental, foi gestada, essencialmente, no Parlamento, que se avocou papel de protagonismo sem deixar de consultar segmentos da sociedade para contemplar interesses, acomodar ambições. Não à toa, ao discursar na solenidade, Haddad pediu ao Supremo Tribunal Federal que fosse o guardião da reforma e que a recebesse “com generosidade”, numa espécie de cobrança ao Judiciário para que cumprisse sua parte nesse pacto.
A reportagem de Lydia Medeiros informa ainda: “Quando anunciou o apoio à reeleição de Arthur Lira para a presidência da Câmara, Lula mostrou que escolheu a aliança com a direita, representada pelo Centrão, como caminho para viabilizar o seu governo. Sua eleição por margem estreita de votos (1,8%) e uma bancada fraca no Poder Legislativo indicaram que sem essa parceria o seu governo poderia não ter futuro. Os partidos desse bloco também consideraram que a união de interesses era o ideal para sua sobrevivência”. Na campanha eleitoral, que se revelou polarizada com Jair Bolsonaro, o primeiro presidente da história recente a não se reeleger, Lula massificou bastante a proposta de uma “concertação nacional ampla” para assegurar a governabilidade caso as urnas referendassem o seu retorno. Tinha em vista, na análise feita, a radiografia da nova conjuntura dominante, com incorporação de forças sociais que estavam excluídas e com a mudança no bastão de poder, que passou a ser dividido entre forças políticas distintas. O desafio era imenso – e ninguém conseguiria governar, de bom senso, apelando para manifestações de sectarismo ou de divisionismo. Por isso mesmo, Lula da Silva buscou colocar-se acima de guetos, enquadrando o seu próprio Partido dos Trabalhadores no figurino da ordem que passou a vigorar.
A reportagem do “Congresso em Foco” destaca que, como nos melhores casamentos, contudo, nem tudo são flores. Apesar das vitórias expressivas do governo no Congresso, sobretudo na agenda econômica, o avanço do Parlamento sobre o Orçamento, movimento batizado de parlamentarismo orçamentário pelo deputado Lindbergh Farias, pode dificultar a vida do mandatário petista. Em 2024, deputados e senadores vão controlar, por meio de emendas impositivas, R$ 53 bilhões. Desse total, R$ 37,5 bilhões têm calendário fixado pelo Congresso para liberação. Além de deixar o governo com estreita margem de manobra, não há garantia de ver esse dinheiro em programas definidos pelo Executivo, como o Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC. Dias atrás, o ministro da Fazenda e ex-presidenciável Fernando Haddad foi preciso na advertência feita: “A gente precisa organizar melhor o Orçamento, precisa pactuar melhor o Orçamento (…) Se perdeu a noção de para onde vai o dinheiro”. Haddad é visto hoje como virtual candidato do PT à sucessão de Lula, caso o presidente desista de concorrer ao quarto mandato em 2026, mas há obstáculos, a começar pelo próprio PT, onde muita gente torce o nariz para essa ideia – mas essa é outra história.
No ano eleitoral de 2024, o debate proposto pelo ministro Haddad sobre o Orçamento tem escassas chances de prosperar. “O Congresso em Foco” ressalta que a pressão por gastos será intensa, e ele terá o desafio de tentar manter a chamada política de ajuste fiscal nesse cenário. O ministro conquistou a confiança do mercado, amainou as tensões com o Banco Central e revelou-se um negociador político eficiente com o Congresso Nacional. A elevação da nota de rating do Brasil pelas agências de classificação de risco foi o seu presente de Natal. Ele atribuiu o resultado a um trabalho conjunto entre os Poderes e afirmou que o crescimento da economia depende da continuidade dessa aliança. Como regente maior da orquestra, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem vitórias a comemorar, não obstante os percalços, da mesma forma como tem razões sobradas para apostar numa “virada de chave” cada vez mais promissora nos próximos anos.