Nonato Guedes
Principal articulador do evento de amanhã, em Brasília, que marcará um ano dos ataques golpistas aos prédios dos três Poderes, havendo mesmo quem insinue que ele está usando a data com cunho político, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avaliou, em entrevista ao UOL, que é importante relembrar a tentativa de golpe que o país sofreu, por parte de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), derrotado nas urnas em 2023, e por outros setores extremistas. “Eu tenho certeza de que a democracia saiu mais fortalecida. E por que eu tenho certeza? Veja, pela primeira vez, a gente mapeou corretamente quem era que estava com quem, quem estava ou não querendo dar golpe”, disse o mandatário, num vídeo que repassou com exclusividade ao UOL. Para Lula, a grande maioria da classe política e a grande maioria do povo não queriam ditadura, mas, sim, democracia.
Ressalta eu apesar de a democracia ter saído fortalecida, é preciso que a data seja lembrada, para que o sistema se fortaleça e atenda aos desejos da sociedade. “É importante que a gente aprenda uma lição com o que aconteceu, para a gente fortalecer a democracia. Daqui para frente, nós precisamos ter em conta que a democracia precisa dar respostas aos anseios da população. Precisa garantir emprego, precisa garantir salário, precisa garantir educação, precisa garantir saúde, ou seja, nós precisamos fazer a sociedade compreender que através da democracia a gente pode garantir um Estado de bem-estar social para que as pessoas vivam com muita dignidade e com muito respeito neste país”, acrescentou Lula, confirmando ter pedido a todos os ministros do governo que estejam presentes amanhã na Capital Federal, além de ter convidado todos os governadores. Mesmo com a ausência já anunciada de alguns governadores de oposição, Lula tem se empenhado pessoalmente para que o ato repita a demonstração de união dos Poderes.
Nas vésperas do transcurso de um ano dos ataques, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, defendeu taxativamente o vínculo do ex-presidente Jair Bolsonaro com o episódio que teve ampla repercussão internacional. “A responsabilidade política (de Bolsonaro) é inequívoca”, disse Mendes à AFP durante uma entrevista em seu gabinete no STF em Brasília. Ao mesmo tempo, o decano da mais alta Corte de Justiça do país, de 67 anos, mede suas palavras para se referir à responsabilidade jurídica do líder da extrema direita, um aspecto que, conforme ele, “ainda não está em julgamento”. Inelegível por oito anos desde junho, Bolsonaro é investigado no STF como possível instigador e autor intelectual dos ataques aos prédios públicos, em uma tentativa de derrubar o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, recém-empossado. No momento dos fatos, o ex-presidente se encontrava nos Estados Unidos e desmentiu qualquer responsabilidade direta ou indireta no 8 de Janeiro de 2023. Mas Gilmar Mendes garante que o governo bolsonarista “incentivava algum tipo de anarquia, especialmente no que diz respeito às forças policiais”.
– Acredito, até mesmo, que os militares não retiraram esses invasores manifestantes (dos prédios) por conta de algum estímulo que havia por parte da própria Presidência da República – afirmou o ministro, que ocupa um dos onze assentos do plenário do Supremo Tribunal Federal desde 2002. Em 8 de janeiro de 2023, uma semana após a posse de Lula, que derrotou Bolsonaro nas urnas por estreita margem, Gilmar Mendes almoçava em Lisboa com seu colega Nuno Piçarra, colega do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando foi surpreendido pelas notícias sobre os tumultos que se espalhavam por Brasília. Imediatamente, Mendes interrompeu o encontro, foi para o seu apartamento e começou a enviar mensagens e ligar para três pessoas: seus colegas do STF, Alexandre de Moraes e Rosa Weber, e o recém-empossado ministro da Justiça, Flávio Dino, que, agora, será ministro do Supremo Tribunal Federal. “Ninguém sabia bem qual era a dimensão da reação, o que estava de fato ocorrendo”, lembrou o ministro, que decidiu antecipar o seu retorno ao Brasil. Para ele, o próprio sistema de inteligência do governo ainda estava ocupado por pessoas oriundas do governo anterior. “Não tinha havido a troca de guarda e, certamente, houve algum tipo de falha de avaliação para evitar as invasões”, teorizou o ministro.
O STF foi um dos principais alvos e objeto de ofensas por parte de Jair Bolsonaro, irritado com as investigações abertas contra ele, como o caso das “fake news” sobre a propagação de notícias falsas. A imagem negativa da mais alta Corte do país entre aqueles que se declaram apoiadores do ex-presidente persiste até hoje – segundo o Datafolha, a reprovação chega a 65%. “É dito a eles que nós é que impedimos que o governo governasse”, explicou o ministro Gilmar Mendes, prosseguindo: “Parece que se depositou muito mais raiva, ódio, contra o Supremo, o que mostra que a propaganda que se fazia foi efetiva nesse sentido”. Atualmente, o Supremo Tribunal Federal desempenha um papel-chave no julgamento dos responsáveis pelos ataques. Das 2.170 pessoas detidas pelos atos, até agora 30 foram condenadas por crimes como golpe de Estado, com penas de até 17 anos de prisão. No total, 66 continuam presas. Gilmar Mendes assegurou que agora “o sistema político está mais alerta” para evitar acontecimentos violentos como os de 8 de Janeiro. Defende, porém, que haja reformas sobre o próprio papel das Forças Armadas e a politização que acabou por ocorrer, com a ocupação de cargos civis por militares durante a gestão Bolsonaro.