Nonato Guedes
Principal alvo da fúria dos vândalos que contestaram, em ataque às sedes dos três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, sua eleição para um terceiro mandato à frente do Executivo federal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu o tom das falas, ontem, em Brasília, ao enfatizar em discurso no Congresso Nacional que se a tentativa de golpe tivesse sido bem-sucedida, “a vontade soberana do povo brasileiro teria sido roubada”. Na cerimônia intitulada “Democracia Inabalada”, que foi promovida para lembrar um ano dos ataques, Lula reafirmou que “não há perdão para quem atenta contra a democracia”, o que foi entendido como um recado a políticos bolsonaristas que ainda se articulam para anistiar os que foram flagrados depredando sedes dos três Poderes na Capital Federal e peças de arquivo do patrimônio histórico brasileiro. “Todos aqueles que financiaram, planejaram e executaram a tentativa de golpe devem ser exemplarmente punidos”, advertiu o presidente da República, salientando que o perdão soaria como impunidade, e a impunidade como salvo-conduto para novos atos terroristas no país.
Para o mandatário, se o golpe tivesse prosperado, “o Brasil estaria mergulhado no caos econômico e social”. Opinou, ainda, que o combate à fome e às desigualdades teria voltado à estaca zero e o país estaria novamente isolado do mundo, com a Amazônia, em pouco tempo, reduzida às cinzas para a boiada e o garimpo ilegal passarem. Em tom enérgico, Lula prognosticou, ainda, que adversários políticos e autoridades constituídas poderiam ser fuzilados ou enforcados em praça pública, “a julgar por aquilo que o ex-presidente golpista (Jair Bolsonaro) pregou em campanha e seus seguidores tramaram nas redes sociais”. Lula relembrou a caminhada dos chefes dos Três Poderes, no dia seguinte, aos atos de vandalismo, do Palácio do Planalto à sede do Supremo Tribunal Federal. “Quero saudar todos os brasileiros e brasileiras que se colocaram acima das divergências para dizer um eloquente não ao fascismo (…) Quero saudar a todos e todas que, no dia seguinte à tentativa do golpe, caminharam de braços dados do Palácio do Planalto até a Suprema Corte em defesa da democracia. Nunca uma caminhada tão curta teve tanto significado na história do nosso país”, prosseguiu.
O chefe do Executivo federal destacou, ainda, a coragem de parlamentares, governadores e governadoras, ministros e ministras da Suprema Corte e de Estado, militares legalistas e a maioria do povo brasileiro, “que permitiram que hoje pudesse ser celebrada a vitória da democracia sobre o autoritarismo”. Da mesma forma, o presidente saudou os trabalhadores das forças de segurança, em especial as Polícias Legislativas da Câmara e do Senado que, mesmo em minoria, se recusaram a admitir o golpe e “arriscaram suas vidas no cumprimento de seu dever, em ato de coragem e de responsabilidade”. O discurso de Lula foi o último da sessão promovida e, no seu fecho, o presidente da República sugeriu ainda que quem duvida das urnas eletrônicas deve pedir aos seus partidos pela renúncia dos seus parlamentares que por meio do voto também foram eleitos. Ele lembrou ainda que por três vezes perdeu as eleições presidenciais, assim como por três vezes as venceu. O ex-presidente Jair Bolsonaro contestou o tempo todo a legitimidade das urnas eletrônicas, antes mesmo da realização das eleições de outubro de 2022, sinalizando o receio da iminente derrota no voto. Pediu voto impresso, auditagem das urnas eletrônicas e chegou a convocar embaixadores de vários países para colocar sob suspeição o sistema eleitoral brasileiro, do qual acabou participando.
Na solenidade em Brasília, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, declarou que a depredação das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro foi um ataque meticulosamente planejado. O ministro ressaltou que a invasão não foi um fato isolado, sendo precedida de anos de ataques às instituições, ofensas a seus integrantes, ameaças de naturezas diversas e disseminação de ódio e mentiras. Para Barroso, a destruição física dos prédios foi incapaz de abalar o que cada um dos Poderes simboliza, “já que não existe mais espaço para a quebra da legalidade constitucional no país”. O ministro ressaltou que as instituições humanas não são perfeitas, sendo passíveis de erros e críticas, devendo ter compromisso com o próprio aprimoramento. Barroso destacou que a democracia permite que todos sejam livres para expressar suas opiniões e participar da vida pública conforme sua convicção. Para ele, a cerimônia no Congresso serviu para renovar a crença na democracia e na harmonia entre os Poderes constituídos. “Que venha um tempo de pacificação, no qual as pessoas que pensam de maneira diferente possam se sentar na mesma mesa e expor os seus argumentos em busca da melhor solução, sem se ofenderem ou se desqualificarem. Nós precisamos de um choque de civilidade no país. Ódio, mentiras e golpistas nunca mais”.
O presidente do Supremo Tribunal Federal também garantiu que os crimes de tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, além da depredação do patrimônio público, estão sendo punidos pela Justiça na forma da lei. O senador paraibano Veneziano Vital do Rêgo (MDB), primeiro vice-presidente do Senado, em entrevistas à TV Senado e a outros órgãos que cobriram o evento, destacou que o alerta de 8 de janeiro trouxe para todos os brasileiros lições significativas. “Precisamos ficar sempre atentos, lembrando dos episódios para que eles nunca mais voltem a acontecer”, salientou o parlamentar, que teve destacada atuação à frente do Senado Federal durante os atos golpistas, pois estava no exercício da Presidência do Poder em virtude de viagem internacional do presidente Rodrigo Pacheco. Ele classificou o ato de ontem como a “celebração da higidez democrática, muito menos pelos prejuízos que foram consideráveis e aos milhões, impostos às sedes dos Três Poderes, e muito mais à tentativa de desestabilizar aquilo que é fundante, que são os princípios e valores da nossa democracia”.