Nonato Guedes
O novo ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Lula, Ricardo Lewandowski, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, tem um histórico de decisões favoráveis ao Partido dos Trabalhadores na mais alta Corte de Justiça do país, mas detém bom trânsito junto a opositores do petismo. Ele ocupará a Pasta que vinha sendo exercida pelo ex-governador do Maranhão, Flávio Dino, designado por Lula para ocupar cadeira no Supremo a partir de fevereiro. Há quem tente comparar a nomeação de Lewandowski à investidura do ex-juiz Sérgio Moro na Justiça no governo de Jair Bolsonaro, lembrando que Moro tinha visibilidade por chefiar a Operação Lava-Jato e foi escolhido para dar credibilidade à gestão anterior. Na prática, Lewandowski, nos 17 anos de atuação no STF, foi um dos principais críticos da Lava-Jato e teve a maioria dos seus votos ligados à chamada área progressista.
O magistrado, conforme a mídia nacional, equilibra o respaldo no meio jurídico com o respeito no Parlamento, além de ser próximo a Lula e ao PT. É considerado um legalista e a expectativa reinante é a de que ele mantenha o ritmo proativo de Dino no ministério. Sem filiação partidária, também há uma expectativa de que ele diminua as indicações partidárias na pasta, o que não deixa de preocupar o PSB, atual detentor de diversas vagas. As versões indicam que, nos bastidores, Flávio Dino operou para tentar emplacar seu secretário-executivo na Justiça, Ricardo Capelli, na titularidade, havendo perspectiva também de que ele ocupe a Segurança Pública se houver desmembramento do ministério. A primeira vez que o assunto da nomeação de Lewandowski foi abordado diretamente ocorreu na viagem à COP28, no Oriente Médio, em novembro, quando o jurista acompanhou a comitiva presidencial, mas não demonstrou muita vontade pelo cargo. O presidente Lula, de sua parte, continuou pressionando o magistrado a aceitar uma convocação.
O jurista carioca foi ministro do Supremo Tribunal Federal entre 2006 e abril de 2023, quando deu lugar a Cristiano Zanin, ex-advogado de Lula quando este permaneceu preso na Polícia Federal. Lewandowski presidiu o STF entre 2014 e 2016 e o TSE entre 2010 e 2012, durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff. Em 2016, ele também comandou o Senado Federal no processo de impeachment da ex-presidente e acatou a sugestão formulada por parlamentares para que Dilma não perdesse os direitos políticos, o que possibilitou que ela fosse candidata ao Senado por Minas Gerais, não logrando, porém, vitoriar. É bastante mencionado o histórico de votos de Lewandowski na Corte ligados à esquerda. Durante o julgamento do mensalão – escândalo que abalou as estruturas do Partido dos Trabalhadores – ele votou pela absolvição do ex-ministro José Dirceu e dos deputados petistas José Genoíno e João Paulo Cunha. Foi um dos ministros do Supremo mais atuantes durante a pandemia de covid-19, quando veio à tona o negacionismo do governo de Jair Bolsonaro, na esteira de conflitos com governadores de Estados, prefeitos de Capitais e autoridades médicas, inclusive, com ex-titulares da Pasta da Saúde.
Lewandowski cobrou do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) um cronograma nacional de vacinação contra a covid-19 e também deu aval a Estados e municípios para decidirem sobre a vacinação de adolescentes, reconhecendo a sua autonomia no conjunto da Federação. Desde que deixou o STF atuava como advogado em São Paulo, tendo trabalhado, por exemplo, numa ação envolvendo a JBS. Segundo se apurou, o presidente Lula – que indicou Flávio Dino ao STF no final de novembro, segurou a nomeação do sucessor no ministério da Justiça enquanto tentava convencer Lewandowski a assumir a Pasta. Um ponto importante na troca de comando no Ministério da Justiça é a diferença de postura de Flávio Dino e Ricardo Lewandowski. O ex-ministro do STF possui um bom relacionamento com o Judiciário, no entanto, possui barreiras quando o assunto é segurança púbica. Flávio Dino notabilizou-se por enfrentamentos que assumiu durante a passagem pelo ministério, principalmente, com aliados e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Esse papel ficou explícito por ocasião dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, quando Flávio Dino foi para a linha de frente defender o governo Lula, tentar enquadrar agitadores bolsonaristas e comandar providências para o restabelecimento da normalidade democrática que foi ameaçada com a tentativa de golpe de Estado, tal como caracterizada na narrativa oficial.
A substituição no Ministério da Justiça, com a ascensão de Flávio Dino a uma cadeira no Supremo Tribunal Federal, tem uma consequência sutil dentro das artimanhas do jogo político: a de retirar do radar um potencial pré-candidato à sucessão presidencial em 2026, quando, pelo que se acredita, Lula irá para a reeleição, apesar dele já ter dito que se dará por satisfeito com apenas um mandato. Dino era forte concorrente ao páreo no futuro, num governo coalhado por nomes de presidenciáveis, a exemplo da ministra Simone Tebet, do ministro da Fazenda, Fernando Haddad e do vice-presidente da República, Geraldo Alckmin (PSB). Haddad está às voltas com os desafios econômicos do governo, que são muitos, Simone praticamente apagou-se no Planejamento e Geraldo Alckmin segue mantendo postura discreta, até para não ferir suscetibilidades junto ao entorno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sobre Flávio Dino, cabe registro da carreira meteórica que tem trilhado ultimamente: do governo do Maranhão saltou para um mandato de senador, onde praticamente não esquentou cadeira, pois logo foi chamado a ser ministro da Justiça e Segurança Pública. Agora, será efetivado no Supremo Tribunal Federal, onde deverá arquivar pretensões políticas e ligações ideológicas, como as que ele cultivou com o Partido Comunista do Brasil e com o Partido Socialista Brasileiro. A toga, afinal, não pode se confundir com cores partidárias.