Nonato Guedes
O economista paraibano Maílson da Nóbrega, que foi ministro da Fazenda no governo do presidente José Sarney e que se envolveu nas discussões sobre o projeto de reforma tributária, aprovado no ano passado no Congresso Nacional, avalia, hoje, sob a perspectiva do texto final, que a reforma ganhou a cara do Brasil: de um lado, melhora a produtividade, de outro mantém ou cria privilégios. Ele adverte que o ritmo de expansão do chamado Produto Interno Bruto pode aumentar mas prevê que a desigualdade social continuará sendo elevada, com acentuados “nichos” de pobreza que estarão condicionados a políticas públicas compensatórias – na verdade, paliativos ou atenuantes do abismo que, na prática, continuará se impondo. “Todos ganharemos com os efeitos da reforma, mas os riscos se beneficiarão mais do que os pobres”, comentou Maílson em seu blog na revista “Veja”.
– Infelizmente, a aprovação da reforma tributária dependeu de ceder à chantagem de vários lobbies, a maioria de ricos, que teriam de ser atendidos sob pena de rejeição do projeto – comentou Maílson da Nóbrega, aludindo ao poder de pressão dos segmentos com maior influência econômica junto aos próprios parlamentares que se debruçaram sobre o assunto, tanto na Câmara dos Deputados como no Senado Federal. Salienta que, felizmente, os pilares básicos não foram afetados pelas injustificadas demandas. “Salvaram-se a tributação no destino, a não cumulatividade plena, a base ampla, as regras e alíquotas uniformes no território nacional e a desoneração integral de exportações e investimentos. Faltou, infelizmente, uma estratégia para lidar com tais grupos. O aumento da carga tributária dos serviços, que eliminaria privilégios, poderia ser implementado em uma transição de, digamos, dez anos. Ao final, os ricos pagariam as mesmas alíquotas dos pobres. Talvez aceitassem”, cogita Maílson no seu artigo, em tom de especulação.
Na opinião do ex-ministro da Fazenda, por uma falha que ele mesmo expôs em considerações anteriores feitas na revista “Veja”, a reforma de 1965 criou alíquotas mais baixas para o ISS, que tributa serviços consumidos pelos ricos. Ao escolher escolas pagas, hospitais privados ou usufruir férias, eles pagam, no máximo, 28% da alíquota da maioria dos bens adquiridos pelos pobres. Agora, pagarão 40%, ainda um enorme privilégio. O projeto propunha alíquota única, em linha com os IVAs (Imposto sobre Valor Agregado) mais modernos. Entende Maílson que isto corrigiria um erro histórico, mas lamenta que esse objetivo tenha fracassado porque os ricos teriam convencido os legisladores de que a Educação seria prejudicada, o que, na sua exegese, era uma falácia. A reforma eliminaria as incontáveis alíquotas, bases de cálculo e hipóteses de incidência sobre o consumo. Em suma, extinguiria o “manicômio tributário”, tantas vezes referido nas discussões sobre o sistema brasileiro, quer fosse pelo ex-ministro Maílson da Nóbrega, quer fosse por especialistas e por representantes de segmentos da sociedade que participaram de debates e audiências públicas, levadas aos próprios Estados para aprofundamento de consensos.
O ex-auxiliar do presidente José Sarney e sócio da Tendências Consultoria, não obstante, acredita que será possível um esforço comum, daqui para a frente, com vistas a vencer a mediocridade econômica que, segundo define, persegue os brasileiros há anos – e, nesse aspecto, endereçou palmas ao Centro de Cidadania Fiscal, que preparou o projeto de reforma, considerado por ele o melhor na história do país nos últimos trinta anos. No que se refere aos privilégios embutidos no texto final da reforma tributária, Maílson é categórico ao enfatizar que há um “rosário” de tais privilégios. E indagou: “Por que, por exemplo, os profissionais liberais pagarão 70% da alíquota padrão, enquanto os pobres arcarão com 100%? Uma indústria automobilística de Pernambuco conseguiu prorrogar por dez anos um incentivo fiscal sem benefícios aparentes, que prejudica a concorrência e custa R$ 5 bilhões por ano. Pior ainda: os Estados e municípios, particularmente os menos desenvolvidos, pagarão a conta. O benefício, um crédito presumido do IPI, reduzirá o valor dos Fundos de Participação, mas a maioria dos parlamentares dessas regiões apoiou as benesses. Um jabuti pode assegurar a servidores do Fisco estadual e municipal a mesma remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
As ponderações de Maílson, na síntese da análise sobre o texto final remanescente dos debates em torno da reforma tributária, são pertinentes e coincidem com avaliações feitas por expoentes do Parlamento de que não se aprovou a reforma perfeita ou ideal, mas a reforma possível, tal como se manifestaram o deputado federal paraibano Aguinaldo Ribeiro (Progressistas), expoente na Câmara, e o senador Eduardo Braga (MDB-AM), expoente no Senado. A formatação da reforma possível deveu-se ao que o ex-ministro da Fazenda denominou de lobbies organizados e que, sem dúvida, tiveram forte influência no encaminhamento, sobretudo na reta final das votações em Brasília. Mas não há ressalva de que o texto produzido tenha sido um “monstrengo” nem a reforma foi chamada de “Frankenstein” por qualquer agente político, mesmo da oposição, contrária ao governo do presidente Lula. Em última análise, há brechas no esboço de regulamentação para os ajustes necessários e é elástico o prazo de transição para implementação das mudanças. Isto pode indicar que nem tudo está perdido, apesar de algumas decepções pontuais.