Nonato Guedes
A sacramentação do apoio do Partido dos Trabalhadores à candidatura do deputado federal Guilherme Boulos, do PSOL, a prefeito de São Paulo, é encarada nos meios políticos como uma prévia das dificuldades que o PT enfrentará para vencer eleições municipais este ano, sobretudo em Capitais consideradas importantes para o projeto de poder em 2026, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá tentar reeleição ao Planalto. No caso de São Paulo a situação se agravou com o descontentamento de algumas facções pela manobra para atrair de volta à legenda a ex-prefeita Marta Suplicy, com a condição de ser candidata a vice de Boulos. Marta é “queimada” por algumas posturas polêmicas, como a de votar pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff e por ter feito duras críticas a gestões e comportamentos petistas. Consta, porém, que foi o próprio presidente Lula o grande fiador da “operação” para repatriar Marta às hostes petistas, após analisar o cenário desfavorável para a legenda na capital paulista.
Em meados do ano passado predominava no petismo a expectativa de vitória em mais de uma dezena de Capitais de diferentes Estados, inclusive, no Nordeste, onde Lula teve votação avassaladora na campanha de 2022 contra Jair Bolsonaro. O Partido dos Trabalhadores é vítima, porém, de um fenômeno comum a agremiações longevas no quadro político nacional: o envelhecimento ou o desgaste provocado pela falta de renovação ou oxigenação, tanto quanto a ideias que signifiquem propostas de gestão pública como em relação a nomes de líderes que possam empolgar parcelas crescentes do eleitorado. O próprio Lula é exemplo de que não houve investimento na preparação de lideranças para ocupar espaços e trazer sangue novo à legenda criada no ABC paulista. Lula é eterno candidato à Presidência da República, pouco importa a idade, pouco importam os problemas de saúde, pouco importa a falta de criatividade no discurso, que é sempre repetitivo e que remete a bordões característicos explorados massivamente pela agremiação quando estava na oposição. Em paralelo, há queixas de que um certo caciquismo está entranhado no organismo petista, travando a democratização das decisões.
O presidente Lula ainda chegou a fazer apelos, de público, a expoentes do PT para que se empenhassem numa cruzada com vistas a reconquistar a militância. Mas com o seu terceiro governo enfrentando sérios problemas para atender a demandas de segmentos ligados á classe trabalhadora, qualquer esforço de doutrinação para o engajamento partidário parece inútil ou até mesmo insensível. O PT enfrenta uma crise de identidade em pleno exercício do poder, depois de Lula ter conseguido uma reabilitação espetacular, saindo da prisão, conseguindo a anulação de processos que tramitavam contra ele e assegurando o direito à elegibilidade, o que facilitou, enormemente, o seu retorno triunfal em 2022, sem falar na “ajuda” indireta do candidato adversário, Jair Bolsonaro, que se revelou um competidor desastrado e que por isso mesmo entrou na História como o primeiro presidente da República a não garantir a sua reeleição para a suprema magistratura do país.
Não se sabe se a fórmula adotada pelo PT em São Paulo será estendida a outras Capitais brasileiras, uma vez que é muito forte a luta de correntes expressivas para que o partido retome protagonismo com nomes de confiança e de filiação-raiz. Mas, de qualquer forma, o precedente está aberto para que o Partido dos Trabalhadores abra mão de candidaturas próprias em redutos influentes ou menos influentes do país, como parte da estratégia de não favorecer o avanço, novamente, do bolsonarismo, que está pulverizado em facções na direita mas que mantém a fidelidade irrestrita ou incondicional à liderança do ex-capitão destronado da Presidência da República. A direção nacional do PT e suas principais lideranças tentam a todo custo cravar a polarização na disputa eleitoral deste ano, como tática para ampliar apoios e fortalecer adesões de segmentos que têm lá suas restrições pontuais à hegemonia do Partido dos Trabalhadores e até mesmo ao seu estilo de exercer o poder.
Nesse contexto, nota-se que já houve uma consequência da atual realidade política-pré-eleitoral até mesmo em João Pessoa, onde o diretório municipal empunhou a bandeira da candidatura própria a prefeito e pelo menos dois deputados se habilitaram à escolha interna – Luciano Cartaxo, que já foi prefeito de João Pessoa por duas vezes, e Cida Ramos, que disputou a prefeitura uma única vez e não logrou êxito. A bandeira da candidatura própria na Capital paraibana continua agitada, mas não evoluíram os entendimentos políticos com outros partidos nem mesmo o cronograma de deliberações internas do PT, talvez porque uma zona de sombra esteja pairando sobre o processo sucessório. Seja como for, informações de fontes credenciadas de Brasília dão conta de que o presidente Lula tem se preocupado com o futuro do PT, independente das eleições municipais deste ano – simplesmente por considerar que há uma incógnita quanto a esse desideratum.