Nonato Guedes
Já está acertado que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) debaterá, em audiência pública, na quinta-feira, 25, a utilização de IA (Inteligência Artificial) nas eleições municipais para prefeitos e vereadores que transcorrerão este ano conforme o calendário vigente. Mas, independente desse posicionamento, a Câmara dos Deputados, presidida pelo deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) está sendo pressionada por grupos políticos e sociais a legislar sobre o assunto, diante da repercussão e das consequências do tema e da constatação de que tal manifestação não é excludente no processo. Os limites para emprego da Inteligência Artificial em eleições já estão sendo debatidos por congressistas, tanto no Senado quanto na Câmara, e há preocupação quanto a episódios de manipulação ou deturpação em instrumentos de propaganda, como estratégia para desequilibrar resultados eleitorais e macular a legitimidade das urnas.
Numa entrevista ao “Poder360”, o profissional do marketing Marcelo Senise, especialista em inteligência artificial, afirma que as sugestões formuladas pelo TSE são “equilibradas” e protegem as campanhas eleitorais, sem inviabilizar a tecnologia de evoluir. No entanto, ressalta ele, não são suficientes e representam apenas “uma legislação mínima capaz de dar algum equilíbrio” ao pleito de 2024. A minuta divulgada pelo Tribunal Superior Eleitoral sugere a proibição de conteúdo “fabricado ou manipulado” com inteligência artificial na propaganda eleitoral. A resolução também propõe a penalização pela divulgação de “fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados” a partir do uso da ferramenta. A controvérsia suscitada decorre, na verdade, do fato de se estar diante de um mecanismo novo, que pode ser desviado de finalidades mais nobres para ficar a serviço de jogadas desleais que, em última análise, desfiguram a essência do processo democrático pelo qual tanto tem se mobilizado a opinião pública, com mais intensidade a partir do governo de Jair Bolsonaro (PL) para cá.
Na visão do especialista Marcelo Senise, a norma não impedirá a circulação de fake news e a manipulação de conteúdo, mas oferece segurança jurídica. “A norma pode não evitar que a coisa aconteça, mas você poderá recorrer ao Judiciário para evitar um dano”, declarou o marqueteiro. Senise afirma que chegou a participar de uma reunião na Comissão de Legislação Participativa e da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados para discutir a regulamentação da inteligência artificial. Ele revela que, nos bastidores, expoentes que participaram do debate querem que o presidente Arthur Lira declare regime de urgência para assuntos de IA pertinentes à comunicação e às eleições. O objetivo é aprovar um conjunto mínimo de regras que sirvam de base para o TSE baixar as próprias normativas a respeito desse assunto.
– Na prática, seria antecipar as regras de 2026 para as eleições de 2024 – afirmou Senise. O marqueteiro diz acreditar que os congressistas estão convencidos da urgência da legislação, mas não têm um líder para encabeçar a pauta e, por isso, querem uma audiência com o presidente da Câmara. Para ele, a Casa “dormiu no ponto”. Sobre os limites para a inteligência artificial há um consenso entre deputados e senadores de que é preciso definir regras a fim de conter danos já nas eleições municipais que se processarão em outubro vindouro. A maior preocupação está relacionada com as “deep fakes” ou conteúdos falsos produzidos a partir de vídeos, imagens e vozes de pessoas reais que poderão ser usados na campanha eleitoral, assim como aconteceu nas eleições presidenciais da Argentina em 2023. Desse ponto de vista, o movimento que se desenrola é de natureza preventiva e, ao mesmo tempo, profilática, para evitar consequências mais graves no desdobramento pleno do processo, quando candidatos estarão empenhados na caça aos votos de eleitores.
Apesar da urgência por causa do pleito, o Projeto de Lei 2.338 de 2023, que está em apreciação no Senado, deverá conter regras mais amplas e não focadas somente nas campanhas eleitorais. O texto, que foi apresentado pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em maio de 2023, deverá ser votado no Senado até abril. Senise explica: “Estamos insistindo nessa pauta porque isso afeta todos os setores da sociedade. É algo que não podemos barrar. Costumo dizer que é como um bisturi: nas mãos de um médico, salva vidas; nas mãos de um bandido, tira vidas”. Sobre a sugestão do TSE de proibir a venda de bancos de dados, adverte que isto poderá estimular a venda clandestina, por isso defende que deveria regras para limitar e não proibir. “Teremos eleições assintomáticas, fora do comum, teremos muitas deep fakes, inclusive, de pessoas que não são nem engajadas na campanha. O que aconteceu na Argentina pode acontecer aqui. Nossa democracia é jovem, sólida, mas em amadurecimentos. Por isso, estamos expostos e nosso arcabouço político é muito frágil”. Indagado sobre como combater orquestrações, o especialista enfatizou: “Tecnologia se combate com mais tecnologia. Nós temos uma legislação que dá cadeia, mas ainda há muitas fake news correndo. O TSE precisa investir em tecnologia”.