Nonato Guedes
Repercutiram negativamente junto a segmentos da opinião pública os arroubos proferidos pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e dirigidos, sobretudo, ao Executivo, segundo a interpretação corrente dos analistas políticos, a pretexto de registrar o dogma da independência dos Poderes no país. Como definiu apropriadamente o colunista Ricardo Noblat no site “Metrópoles”, o político alagoano não escondeu que deseja governar o Brasil enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é compelido a assistir de camarote o reinado fisiológico comandado por Lira e pelo Centrão, com seus apetites insaciáveis por verbas de emendas – sejam de bancada, sejam individuais. É lamentável que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) tenha, de certa forma, engrossado o coro, estendendo ameaças subliminares a outro Poder, o Judiciário, que está sob fogo cruzado dos congressistas diante de medidas que tem tomado para defender a plenitude democrática.
Lira tentou camuflar, inutilmente, no discurso em que pediu que “não subestimem” a atual Mesa Diretora da Câmara, a sua ambição de querer influenciar decisivamente na execução do Orçamento da União, com isto atropelando uma competência que é constitucionalmente deferida ao governo Como escreveu Reinaldo Azevedo, colunista de UOL, Lira fez da sua peroração uma ofensiva para usurpar a atribuição do Poder Executivo na destinação de recursos, o que é uma contrafação, porque mesmo os regimes parlamentaristas diferenciam o exercício do mandato do ato de governar. O Executivo tem lá sua parcela de culpa por ter alimentado, em algumas ocasiões, a fome insaciável de parlamentares por recursos públicos. A Câmara dos Deputados, já sob o império de Lira, folclorizou-se nacionalmente com o estigma do “orçamento secreto”, o equivalente a um caixa dois proveniente do erário, destinado a financiar interesses paroquiais de políticos que já não “representam o povo”, como antigamente; agora, “entregam resultados”, como se fossem integrantes da gestão pública.
Adverte Reinaldo Azevedo em seu artigo: “Execução orçamentária é tarefa, como quer o nome, do Poder Executivo. A balcanização de recursos, por intermédio de emendas, alimenta os interesses paroquiais e resulta em desperdício e ineficiência, de que é testemunha o imenso cemitério de obras paralisadas no país. E, adicionalmente, alimenta esquemas criminosos e caixa dois de campanha. Toda essa pompa discursiva esconde uma máquina de torrar dinheiro público”. Na Lei Orçamentária, o Congresso Nacional reservou para si, do total de 222 bilhões (saldo restante no erário), espantosos R$ 53 bilhões – 23,8%. “Nada há no mundo nada nem parecido. Os Estados Unidos estão entre as democracias que mais poder concedem às casas congressuais nessa área – menos 2,4% do que sobra efetivamente ao Executivo. No semipresidencialismo português, 0,5%; no regime misto francês, apenas 0,1% e na Coreia do Sul, 03%. Por aqui, os bacanas definiram R$ 25 bilhões para Emendas Individuais (11,26% do disponível) e R$ 11,3 bilhões para as Emendas de Bancada (5,1%). Não contentes, avançaram em mais R$ 16,7 bilhões na forma de Emendas de Comissão – em tese, não obrigatórias. Aí o presidente Lula aplicou um veto de meros R$ 5,6 bilhões. E ainda deixou claro: não é que queira negar a grana; pretende convencer os autores das emendas, claramente nominados, a atrelar os recursos a obras do PAC, que, pelo menos, têm eixos estruturantes”, prossegue Reinaldo.
Como expõe o colunista do UOL, foi debalde a tentativa do presidente da República em atrelar recursos do orçamento a obras do PAC – o Programa de Aceleração do Crescimento, relançado neste terceiro governo debaixo de grande expectativa quanto a obras estruturantes que revertessem, na prática, em geração de empregos e de renda. Aos programas de governo acenados ou agitados pelo presidente Lula, o presidente da Câmara, Arthur Lira, pretendeu opor a Teoria da Sola do Sapato, insinuando que apenas gente como ele e seus aliados sabem quais escolas e municípios precisam de coisas como “aqueles formidáveis Kits Robótica”…A própria imprensa, com raras exceções, parece não se indignar tanto assim. Há até quem tenha caído na conversa de que, afinal, existem mesmo competências concorrentes na destinação do Orçamento”. Reinaldo Azevedo critica, também, falas do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, em que este supervaloriza o papel do Legislativo no contexto da realidade institucional brasileira e preconiza o respeito à liberdade de expressão para que não se caracterize no Brasil um estado de liberdade de agressão.
São falas não apenas equivocadas ou contraditórias – mas adrede calculadas para tentar intimidar o Poder Executivo e para repassar incondicionalmente ao Parlamento os poderes de execução orçamentária, concomitantes com os já assegurados poderes de legislar, nos quais se inclui a derrubada ostensiva de vetos presidenciais a matérias polêmicas que poderiam ser resolvidas mediante a produção de consensos. A verdade, infelizmente, é que não há interesse por parte das cúpulas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal em dialogar e oferecer consensos em questões supervenientes para o interesse direto da sociedade. E o clima de confronto se agrava com a paranoia que acomete o presidente Arthur Lira sobre suposta ação do Palácio do Planalto para interferir na sucessão da Mesa da Câmara a partir de 2025. Lira considera que a Mesa da Câmara é uma espécie de feudo seu, porque serve para dar substância aos próprios projetos carreiristas que tem empalmado. Mas essa arrogância toda pode se tornar vulnerável, mediante defecções que já começam a ocorrer no bloco que até então sustentava incondicionalmente as ambições de Arthur Lira e do Centrão. A opinião pública, em última análise, está atenta a esses movimentos que denunciam vaidades pessoais – e nenhum interesse público. Ela pode ser um freio às manobras de mandonismo executadas por Arthur Lira e seu séquito.