Nonato Guedes
Presidido por Valdemar da Costa Neto, que chegou a ser preso por porte ilegal de armas e por ter com ele uma pepita de ouro com cerca de 39 gramas e valor estimado em R$ 11 mil, que seria compatível com extração de garimpo, o Partido Liberal (PL) enfrenta situação complicada, sob ameaça de perda do registro, por apologia a atos antidemocráticos que infringem a Constituição Federal. Uma reportagem do “Metrópoles” destaca que, embora não exista legislação específica para a acusação de comportamento “golpista” do PL, cujo guru maior é o ex-presidente Jair Bolsonaro, o artigo 17 da Constituição diz que agremiações políticas devem resguardar “a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana”. O arquitetar de um golpe, se comprovado nas investigações, pode levar à extinção do PL, que tem a maior bancada na Câmara dos Deputados.
Outra penalidade aplicável entraria no ramo financeiro. Dono do maior fundo eleitoral no país, com R$ 863 milhões para bancar as atividades dos candidatos do partido nas eleições municipais deste ano, há ainda a possibilidade de o PL sofrer sanções financeiras. O partido cogita lançar nomes de ex-ministros e figurões do regime decaído no próximo pleito, entre os quais o ex-titular da Saúde, Marcelo Queiroga, em João Pessoa. A Polícia Federal qualificou Valdemar da Costa Neto como “principal fiador” das articulações golpistas e, nas palavras do ministro relator do caso, Alexandre de Moraes, o PL foi utilizado no financiamento de uma “estrutura de apoio às narrativas que alegavam supostas fraudes às urnas eletrônicas”. Essas narrativas eram construídas com o objetivo de legitimar as manifestações que ocorriam em frente a instalações militares e que clamavam por uma intervenção das Forças Armadas.
Bolsonaro está comprometido até o pescoço com as denúncias de articulação golpista, a partir da elaboração de uma minuta de tomada do Poder, discutida num encontro promovido pelo ex-presidente da República em meados de 2022, com seus auxiliares, em Brasília. Conforme informações que vazaram para a imprensa, Bolsonaro, na ocasião, pediu a seus ministros que atuassem para impedir a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT. Uma reportagem do UOL revela que a impressão de alguns funcionários palacianos era de que todo um enredo havia sido previamente combinado e reinava, no local, um sentimento de que o encontro serviria para criar atmosfera de articulação e que a iniciativa seria “carimbada” pelo gabinete comandado por Bolsonaro. Naquele dia, a reunião de Bolsonaro com embaixadores estrangeiros já tinha sido decidida e um pequeno grupo de pessoas no Executivo já atuava nesse sentido. Durante o encontro, Bolsonaro sugere que faria o evento – e, de farto, no dia 18 daquele mês, os diplomatas estrangeiros baseados em Brasília seriam chamados à sede do Poder Executivo. No discurso, o então mandatário criticou as urnas eletrônicas e acusou o sistema de não ser seguro, sem, no entanto, apresentar qualquer tipo de prova. Já fora do governo, o TSE condenou Bolsonaro e o tornou inelegível até 2030.
O fato de ter sido encontrado pela Polícia Federal, na sede do PL em Brasília, um esboço com planejamento da tentativa de golpe de Estado, além da previsão de prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal e presidente do Senado Federal, evidencia a gravidade das ligações entre membros do governo e dirigentes partidários ou agentes políticos na montagem de uma conspiração golpista, o que atenta flagrantemente contra o Estado Democrático de Direito. De acordo com o ministro Alexandre de Moraes, a Polícia Federal conseguiu estabelecer, nas investigações, “intrínseca relação entre o núcleo jurídico da organização criminosa, responsável pelas minutas golpistas, e o Partido Liberal, na pessoa de seu dirigente máximo, Valdemar da Costa Neto”. Valdemar já foi posto em liberdade, e são variadas as interpretações quanto a punições. A advogada eleitoral Anne Cabral, que integra a Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, entende que é preciso esperar as investigações mas que uma eventual sanção viria, inicialmente, para dirigentes do PL, não para o partido em si. “A priori, sanções penais recaem sobre pessoas físicas – no caso, os dirigentes partidários, porém, nenhum partido pode atentar contra o regime democrático”, pondera a especialista.
O mestre em direito constitucional e especialista em eleitoral Ariel Uarian acha que é possível o Tribunal Superior Eleitoral limitar recursos de partido que atenta contra a democracia. “Decisão recente do Tribunal Constitucional Alemão, por exemplo, entendeu que partidos que atentam contra o Estado Democrático de Direito não podem receber financiamento político”, lembrou. Para que o TSE ou o STF investiguem ou formalizem uma ação contra o Partido Liberal, os tribunais superiores precisam ser acionados. Até o momento, o senador Humberto Costa, do PT-PE, acionou a Procuradoria-Geral da República, com pedido de que o PL seja investigado e seu registro seja cassado por envolvimento com atividade criminosa. Na representação, o senador afirma que é “preocupante, inconstitucional, ilegal e criminoso que a referida agremiação política tenha se utilizado, em tese, de recursos do fundo partidário, para fins de financiamento de atividades delituosas, passando ao largo de toda a legislação nacional eleitoral”. A verdade é que, independente de um desfecho judicial, a “espada de Dâmocles” paira sobre o PL, ameaçando a sobrevivência de uma legenda que pretende ter protagonismo nas eleições de 2024 para se contrapor, principalmente, ao PT, com quem polariza o cenário nacional. E há uma situação desconfortável para os expoentes da legenda que tem em Bolsonaro seu ídolo maior.