Nonato Guedes
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que foi eleito na campanha em que fez dobradinha com seu ex-chefe, Jair Bolsonaro (PL), que, no entanto, não logrou ser reconduzido ao cargo, perdendo o pleito de 2022 no segundo turno para Luiz Inácio Lula da Silva, está sendo fortemente pressionado a embarcar na aventura “golpista-bolsonarista” que se mantém a pleno vapor, agora com a convocação de uma manifestação para o dia 25 na avenida Paulista. Em tese, o ex-presidente Jair Bolsonaro justifica que o evento se destina à apresentação de sua defesa diante de acusações que tem enfrentado e da ameaça de ser preso, como é admitida nos meios jurídicos. Na prática, Bolsonaro quer testar o seu potencial de liderança após os últimos acontecimentos que desgastaram profundamente a sua imagem junto a muitos dos seus próprios apoiadores, desiludidos com uma cantilena que não sai do canto e com promessas mirabolantes de tomada do poder que invariavelmente são desmoralizadas perante a opinião pública.
No caso específico de Tarcísio de Freitas, que foi ministro da Infraestrutura no governo de Bolsonaro, há um movimento explícito da parte de Bolsonaro para mantê-lo cooptado dentro do seu núcleo de apoio, reagindo a acenos de convivência que foram feitos em solenidades públicas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O ex-mandatário teme que Freitas chegue a “fraquejar” na lealdade política, levado por razões pragmáticas ligadas à governança em São Paulo, que precisa da relação institucional com o governo federal. Embora a hipótese não seja considerada nos meios políticos, ela não é descartada entre bolsonaristas, tomados por uma certa paranoia quanto à perda de quadros diante da insistência de Jair Bolsonaro em levar à frente uma aventura para destituir Lula e facilitar a sua volta ao poder. A presença do governador de São Paulo na manifestação foi confirmada por ele mesmo, não obstante as advertências feitas sobre a temeridade de sua participação num ato que pode descambar para a violência. A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, qualificou de “inconstitucional” a convocação pelo ex-presidente de um ato para se defender das investigações, em especial a que trata de organização criminosa empenhada em materializar um golpe de Estado.
Mais do que inconstitucional, como sugere Gleisi, a convocação do ato por Bolsonaro seria motivo suficiente para a prisão do ex-presidente, conforme advogados ouvidos pela “Revista Fórum”. O Doutor em Ciência Política Fernando Augusto Fernandes afirma que Bolsonaro incorre em uma “continuidade delitiva” ao convocar o ato após dizer várias vezes que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, deve ser preso. “A decisão que mandou recolher o passaporte, impedindo Bolsonaro de sair do país e a de não se comunicar com outros investigados são medidas do art. 319 do Código de Processo Penal, substituindo a prisão por medidas menos gravosas. Significa que, primeiramente, o ministro Alexandre de Moraes entendeu os pressupostos para a prisão preventiva e que havia, naquele momento, possibilidade de substituição. Mas Bolsonaro, ao convocar um ato depois da manifestação do pastor Silas Malafaia, reafirmando que Alexandre de Moraes deveria ser preso, deixou transparecer o objetivo de criar constrangimento em uma repetição do que fez no Sete de Setembro de 2021 em que atacou o ministro do Supremo”, afirmou Fernandes. Para o jurista, “não é possível fazer um corte do passado com o presente” porque há poucos dias Bolsonaro repetiu em live os ataques às eleições.
Haveria, portanto, uma “continuidade delitiva” que, por si só, forneceria o escopo legal para justificar uma prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro, diante da sua teimosia em persistir no incitamento ao golpe e nas ameaças ao regime democrático legalmente constituído no país. Já o advogado criminalista Sérgio Augusto de Souza, na mesma linha de interpretação, afirma que a suposta incitação à população contra medidas judiciais pode vir a ser encarada como uma ameaça à ordem pública e à estabilidade institucional. Segundo ele, ao convocar manifestações públicas, Bolsonaro desafia as autoridades, sugerindo uma tentativa de usar a pressão popular para influenciar o Judiciário. Cita que o artigo 312 do Código de Processo Penal deixa claro que a prisão preventiva pode ser decretada para garantir a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal quando há prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade imputado. A postura de Bolsonaro ao convocar um ato aparentemente pacífico representa o perigo gerado pelo estado de liberdade, colocando em risco a instrução criminal, devido à proibição de contato entre os investigados e ameaça à ordem pública ao inflamar seus seguidores contra as instituições democráticas, declarou Sérgio Augusto de Souza. Acrescenta que Bolsonaro tem sido apontado pelas investigações como líder de um suposto plano golpista contra o Estado Democrático de Direito e, diante disso, há fundamentos sólidos para uma possível prisão preventiva visando garantir a ordem pública.
Independente de configurar-se, ou não, um ato flagrante de violência provocado por apoiadores bolsonaristas que estão incitados a reagir contra uma possível prisão do ex-presidente da República, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, precisa levar em consideração a sua própria posição no contexto da manifestação. Afinal de contas, ele pode vir a ser acionado como cúmplice ou conivente com manifestações de ilegalidade que ferem princípios estabelecidos na própria Constituição Federal, sujeitando-se, na condição de governador e, portanto, executor das medidas de segurança pública, a penas por abusos que vierem a ser cometidos contra a ordem constitucional brasileira. O que se nota é que o governante paulista, cobrado a provar lealdade ao presidente que foi deposto pelas urnas, pode estar sendo arrastado para uma aventura perigosa que tem tudo para comprometer seu futuro, atrelando sua sorte à de Bolsonaro, que tem sido reincidente na prática de atos deletérios contra a democracia em nosso país. Tarcísio tem sido cogitado como um Plano B da direita para a sucessão de Lula, diante da inelegibilidade de Lula, mas pode estar comprando o passaporte para a sua própria inelegibilidade em eleições futuras.