Nonato Guedes
Em seu blog na revista “Veja”, o economista paraibano Maílson da Nóbrega, que foi ministro da Fazenda do governo de José Sarney, comenta que ainda levará tempo até que se prove se houve ou não uma tentativa de golpe de Estado no país, referindo-se à denúncia que atribui ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a colaboradores do seu governo a orquestração de um atentado contra o regime democrático para inviabilizar a posse do petista Luiz Inácio Lula da Silva em seu terceiro mandato. Maílson, que é sócio de uma consultoria econômica baseada em São Paulo e acreditada junto ao mercado, cita que o vídeo da reunião ministerial de 5/7/2022 dá a entender que se discutiu uma intervenção no processo eleitoral, incluindo uma “virada de mesa” e que integrantes do Tribunal Superior Eleitoral foram tachados de “inimigos”.
– Golpes militares – teoriza Maílson – ocorriam na época da Guerra Fria. Depois que Fidel Castro depôs Fulgêncio Batista e instalou um regime comunista em Cuba, acentuou-se o temor de ocorrências semelhantes na América Latina, particularmente por parte do governo americano. Enxergava-se o risco de sua repetição em países governados por partidos de esquerda. O ex-ministro fala de suspeitas de que os serviços de inteligência dos Estados Unidos apoiaram movimentos golpistas, como teria sido o caso do Brasil em 1964, no Chile em 1973 e em outros países latino-americanos. “Quando o golpe se materializava – lembra ele – o novo governo era reconhecido imediatamente pelos Estados Unidos e logo depois por nações europeias. Com o colapso da União Soviética em 1991 e o consequente fim da Guerra Fria, a situação mudou. Golpes de Estado deixaram de ser vistos como contraponto à ameaça comunista e passou-se a condenar a ruptura democrática, inclusive com o estabelecimento de sanções econômicas contra os países que sofressem intervenção militar.
O ex-ministro prossegue no seu raciocínio afirmando que, no Brasil, depois da redemocratização, os currículos das academias militares foram revistos, privilegiando-se a visão de que elas são apolíticas e constituem órgãos de Estado. “Ouvi de um general de quatro estrelas, que chefiou a área da educação no Exército, as exigências para o ingresso no oficialato. Nenhum cadete pode ser incorporado se não passar em teste de proficiência em inglês. A partir da patente de major, disse-me ele, o oficial realiza três viagens anuais ao exterior para participar de cursos, seminários ou manobras militares”, relatou o ex-ministro da Fazenda. Maílson menciona Olivier Stuenckel, professor da Fundação Getúlio Vargas, que em artigo veiculado no dia 12 último, informou que autoridades de alto nível do governo americano, incluindo o próprio secretário de Defesa, Lloyd Austin, vieram ao Brasil em 2022 para manter contatos com as Forças Armadas e inteirar-se da conjuntura vigente no país. Isso envolveu, também, o Departamento de Estado, a CIA, a Casa Branca, o Senado e o Pentágono. Alertou-se que o desrespeito ao resultado das eleições presidenciais provocaria redução drástica da relação militar com os Estados Unidos. O próprio presidente Joe Biden foi um dos primeiros chefes de Estado a cumprimentar Lula pela vitória eleitoral que o devolveu ao poder no Brasil.
Maílson conclui asseverando que a orquestração de um golpe de Estado no momento presente poderia acarretar outras consequências, muito provavelmente sanções contra o Brasil, o que isolaria internacionalmente o país. Um golpe prejudicaria, na sua avaliação, empresas privadas brasileiras que atuam no comércio mundial e a própria atividade econômica. “A resistência ao suposto golpe não decorreu dessas ações preventivas do governo americano, mas provavelmente da oposição dos principais líderes das Forças Armadas. É difícil acreditar que os promotores da suposta intentona não tenham percebido o risco de sanções, daí falar-se em “golpe tabajara” – finaliza Maílson da Nóbrega, deixando escapar sua pitada de ceticismo quanto a sinais concretos de articulação de uma intervenção que colocasse em risco a estabilidade democrática brasileira. O artigo de Maílson, a propósito, na revista “Veja”, é intitulado “Os erros dos supostos golpistas”, insistindo no ponto de vista de que a reação internacional e o risco de sanções foram ignorados, o que confere um certo amadorismo a orquestrações eventualmente ensaiadas.
Se a comprovação da responsabilidade pela tentativa de golpe de Estado no 8 de janeiro em Brasília ainda está oficialmente sob investigação, mediante coleta de documentos, inclusive, supostas minutas da intervenção que seria perpetrada, parece fora de dúvidas que houve movimentação concreta de setores radicais da sociedade para a tomada de assalto do poder, deslegitimando a vitória alcançada nas urnas pelo então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, que polarizou a disputa com Jair Bolsonaro. Nesse caso, o ceticismo exposto por Maílson torna-se “imprudente” ou “ingênuo” por não levar em consideração o histórico de ameaças proferidas contra o Estado de Direito. O próprio Bolsonaro está às voltas, agora, com uma mobilização convocada para o dia 25 em São Paulo a pretexto de se defender das acusações que lhe são imputadas – mas, na verdade, o seu empenho é para tumultuar a normalidade democrática no Brasil e, ao mesmo tempo, tentar fomentar a onda de descrédito das instituições. O tom da “Marcha sobre São Paulo” poderá ser a confirmação definitiva de que Bolsonaro estimulou uma intentona golpista, não logrando êxito nem receptividade na investida. Parece indesmentível que a sanha golpista continua no ar, testando espaços de apoio junto a segmentos desinformados da opinião pública brasileira.