Nonato Guedes
Até mesmo aliados mais próximos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) admitem que é temerário o desfecho da manifestação convocada para hoje na Avenida Paulista, em São Paulo, a pretexto de dar palanque ao ex-mandatário para se defender das acusações de ter incentivado um golpe de Estado no país. O colunista Josias de Souza, do UOL, definiu: “Com o avanço das investigações da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe de Estado e o cerco se fechando sobre Jair Bolsonaro, o ato convocado não tem chance de dar certo para o antecessor do presidente Lula. Josias lembra que Bolsonaro teve a oportunidade de oferecer uma boa defesa à PF no depoimento a que compareceu esta semana e em que permaneceu em silêncio, mas preferiu esticar a corda e estimular a atenção na rua. Ainda que a Paulista esteja cheia, não terá a menor importância do ponto de vista penal e criminal.
Josias prossegue: “Bolsonaro disse que jamais saiu das quatro linhas da Constituição. Hoje, sabemos que esse espaço era um terreno baldio no qual ele jogava seu lixo ideológico. Neste domingo, se sair do quadrado criminal em que se encontra, Bolsonaro pode ser preso. Ao contrário do que Bolsonaro e seus apoiadores têm propagado, o ato de hoje não tem nada a ver com democracia. Bolsonaro está flertando com o perigo. Há uma série de riscos que ele precisa evitar. Por exemplo: ele não pode convidar Valdemar Costa Neto (presidente do PL) para o ato porque o ministro Alexandre de Moraes proibiu que os investigados tenham contato. É um ato que ocorre sob muitas limitações. Bolsonaro está pisando em ovos e flutua em uma corda bamba. Argumenta que é um ato em defesa do Estado Democrático de Direito. O mote é uma piada. Fica a impressão de que ele, não conseguindo se firmar como presidente e nem obtendo uma boa defesa, está tentando a sorte como humorista”.
Já ao confirmar presença na manifestação e se manter próximo ao ex-presidente, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, do Republicanos, não percebeu que pode comprometer seu futuro político. A esse respeito, comenta Josias de Souza: “Foge uma percepção óbvia ao Tarcísio: a investigação que corre contra Bolsonaro mudou de patamar. O estado criminal dele se deteriorou. O governador, que tem a ambição de se converter no herdeiro político de Bolsonaro, ainda não se deu conta de que precisa se distanciar dele. Tarcísio vai hospedar a radioatividade no Palácio dos Bandeirantes e corre o risco de sofrer as consequências dela”. Outros governadores alinhados com o ex-presidente confirmaram presenças, como Ronaldo Caiado, de Goiás, Romeu Zema, de Minas Gerais, e Jorginho Mello, de Santa Catarina, bem como representantes de 10 partidos, inclusive, alguns que têm representantes ocupando ministérios no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Há o receio de que a situação fuja do controle e que oradores partam para a radicalização nos discursos, especialmente contra o Supremo Tribunal Federal. Bolsonaro não consultou ninguém, nem os próprios filhos, para o ato na Paulista.
Fica evidente no posicionamento de Jair Bolsonaro a tentativa de comandar um espetáculo midiático para atrair apoio contra as investigações que tramitam contra ele no âmbito do STF. O ex-presidente esforça-se para dar uma demonstração de liderança e de prestígio político, o que será mensurado com o comparecimento que se verificar na Avenida Paulista. Muitos do seu entorno já reconhecem que é um gesto arriscado, de consequências imprevisíveis, podendo piorar ainda mais a situação de Bolsonaro ao invés de facilitar a restauração da sua imagem. Entretanto, não se aventuraram a fazer pressão junto ao ex-presidente para reavaliar a conjuntura por considerar que seria inútil tal empreitada. Além da necessidade de estar nos holofotes e derrubar a inelegibilidade nos seus direitos políticos, o ex-mandatário que não conseguiu se reeleger aposta na linha do confronto, de preferência com as instituições, sendo seu alvo principal o Supremo Tribunal Federal. A opinião pública, como sempre, é chamada mais uma vez para endossar a polarização política-ideológica no país como massa de manobra dos interesses de grupos perdedores.
Na semana decisiva para mais um momento da história do país, parlamentares, autoridades e representantes da sociedade lançaram no Salão Verde da Câmara dos Deputados o manifesto intitulado “O Brasil Escolheu a Democracia”, documento descrito pelo grupo como uma forma de se opor “à insistência bolsonarista em atentar contra a democracia”. Segundo definição da deputada Jandira Feghali, do PCdoB-RJ, o manifesto foi um alerta a toda a sociedade no sentido de que os mesmos elementos que comandaram, organizaram e financiaram a barbárie de 8 de janeiro de 2023 agora investem contra a Justiça, a democracia e o Estado de Direito, daí porque foi reafirmado o comprometimento com os valores e direitos fundamentais consagrados pela Constituição brasileira. Assinala, apropriadamente, o manifesto que a trama golpista deflagrada em reunião ministerial que discutiu uma virada de mesa, prossegue com a reação organizada contra o inquérito e o empenho para manter a impunidade dos comandantes. “Não há como entender a reação dos golpistas de outra forma que não seja a de mais um ataque à democracia, apesar dos argumentos falaciosos de quem a convoca, organiza e financia com recursos de origem obscura”, acrescenta. Na prática, teremos, hoje, mais um teste para a democracia brasileira, que até aqui tem resistido às investidas de baderneiros e oportunistas descompromissados com as leis e a Constituição.