Nonato Guedes
Uma reportagem do “Congresso em Foco” revela que o pedido de impeachment contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, embora esteja conquistando, a cada dia, o apoio de novos parlamentares na Câmara dos Deputados, é uma iniciativa que já nasce morta, sem esqueleto jurídico que sustente seu avanço, conforme a opinião de juristas que conhecem os meandros do tema. O pedido foi protocolado no último dia 22 e, da bancada federal da Paraíba, teve a assinatura do deputado Cabo Gilberto Silva (PL), bolsonarista ortodoxo que, inclusive, esteve participando da manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo, no último domingo, a pretexto de dar palanque ao ex-mandatário para se defender de acusações que lhe têm sido imputadas pelo Judiciário e que já complicaram sua vida do ponto de vista da inelegibilidade nas próximas eleições municipais. Juristas alegam que também não há amparo político para que a iniciativa prospere. Na terça-feira, o pedido já contava com 139 assinaturas, havendo outras a serem incluídas, de acordo com projeção dos oposicionistas.
A reportagem de Iara Lemos ressalta que o requerimento de impeachment foi apresentado dias após Lula associar, em entrevista coletiva, os ataques de Israel à Faixa de Gaza ao Holocausto contra os jueus, cometido pelo líder nazista Adolf Hitler. O governo de Israel reagiu e declarou o presidente “persona non grata” no país. Capitaneado pela deputada Carla Zambelli, do PL-SP, o pedido de impeachment teve a maioria das assinaturas vindas de deputados do PL, principal partido de oposição, que também conta com a maior bancada da Casa, agregando cerca de 96 deputados. O advogado e ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, um dos autores do pedido que resultou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), adverte que a assinatura dos deputados já os impede de participar da comissão especial, caso o pedido venha a ser aceito pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, do PP-AL.
– Está tudo errado, desde o começo. Esse pedido é esdrúxulo e nasce morto porque é assinado por parlamentares. Não há vantagem para o parlamentar assinar o pedido. A Lei 1079 (Lei do Impeachment) aponta que, se alguém assina o pedido, se transforma em parte e, dessa forma, fica impedido de votar. Ou é falta de conhecimento desses parlamentares ou eles querem mesmo ficar inviabilizados – analisa o professor da Universidade de São Paulo (USP). Outro ponto levantado pelos juristas se dá em relação ao conteúdo que sustenta o pedido de impeachment protocolado na Câmara. Há também deputados integrantes de partidos mais ao centro, que o presidente Lula quer atrair para a base aliada mais fidelizada – PP, União Brasil e Republicanos, por exemplo. A declaração de “persona non grata” é um instrumento jurídico amplamente reconhecido e utilizado nas relações internacionais. É uma prerrogativa que os Estados possuem para indicar que um representante oficial estrangeiro não é mais bem-vindo como tal em seu território, mas não é suficiente para sustentar um pedido de impeachment, de acordo com o advogado Cézar Britto.
“Não cabe pedido de impeachment pela razão em si. Não há fato criminal na declaração do presidente Lula. Esse é um fato político, não de responsabilização. É tão fato político que a bandeira de Israel está sendo usada em protestos da oposição”, argumenta ele. A despeito das análises jurídicas, o “Congresso em Foco” lembra que o pedido de impeachment, para que possa avançar no Congresso, precisa ser aceito pelo presidente da Câmara dos Deputados, deputado Arthur Lira, o que não tem perspectivas de ocorrer, segundo líderes partidários. Cabe ao presidente da instituição dar andamento ao pedido de impeachment. No entanto, Arthur Lira tem se aproximado do governo e nas últimas semanas ele se encontrou duas vezes com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para aparar arestas ou atritos na relação com o Poder Executivo, além de estar tendo suas demandas atendidas. Além do mais, para prosperar concretamente na Câmara, um pedido de impeachment necessita do apoio de 342 dos 513 deputados, cenário que é considerado inexistente atualmente. Ainda assim, o governo demonstra que está com o radar ligado. O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), reuniu-se com os deputados Gervásio Maia (PSB) e Antônio Britto (PSD), incumbindo-os de enviar um recado direto aos parlamentares: quem for da base de apoio de Lula e assinar o pedido corre o risco de ficar sem cargos e sem emendas.
Guimarães escreveu no X (ex-Twitter) logo após o encontro com os dois líderes: “Formou-se um consenso entre nós de que é incompatível o parlamentar ser da base do governo, ter relação com o governo e assinar pedido de impeachment. Isso não é razoável e a minha posição é encaminhar a lista desses parlamentares para que o governo possa tomar providências”. O “Congresso em Foco” já havia mostrado que a lista de deputados que pedem o impeachment do presidente Lula tem mais de 30 nomes que, na maior parte do tempo, votaram junto com o governo na Câmara dos Deputados em 2023. O “Radar do Congresso” calcula o governismo de cada parlamentar a partir das votações proferidas na Câmara. Votos iguais à orientação (sim ou não) do líder do governo na Casa aumentam a taxa de governismo, enquanto qualquer opção diferente da orientação (seja sim, não, abstenção ou falta) diminui o governismo. O levantamento considerou as votações feitas ao longo de 2023, primeiro ano da gestão Lula. O clima é de expectativa em Brasília mas o governo trabalha a todo vapor para esvaziar a orquestração pelo impeachment do presidente da República.