Nonato Guedes
Por trás do desentendimento entre os deputados estaduais Luciano Cartaxo e Cida Ramos, do PT, tendo como pano de fundo as eleições à prefeitura de João Pessoa este ano, há um histórico de embate entre os dois parlamentares pela liderança dos votos na Capital. Em 2016, Cida e Cartaxo se enfrentaram, diretamente, nas urnas, e ele ergueu a taça de vitorioso já no primeiro turno. Nenhum dos dois era filiado ao Partido dos Trabalhadores. Cartaxo, que disputava a reeleição, estava filiado ao PSD depois de ter rompido com o PT a pretexto de não se contaminar com o escândalo do mensalão, que foi uma nódoa na trajetória da sigla. Cida concorreu pelo PSB, que era liderado no Estado pelo então governador Ricardo Coutinho. O candidato lançado pelo PT em 2016 foi o professor Charliton Machado, que ficou posicionado em terceiro lugar, a uma boa distância dos concorrentes principais. Atualmente, com a desistência de Cartaxo em disputar prévias no PT e até mesmo concorrer pela legenda a prefeito, Cida afirma que espera contar com seu apoio e que vai procurá-lo para isso.
Nas eleições de 2016 em João Pessoa houve um confronto de máquinas – a do Estado, pilotada por Ricardo, que, independente de chefia sempre teve grande prestígio junto ao eleitorado de João Pessoa, e a municipal, que havia sido conquistada por Cartaxo em 2012 com o apoio do então prefeito Luciano Agra, dissidente do grupo de Coutinho. Na conjuntura de agora, um apoio de Cartaxo a Cida parece duvidoso, pelo menos em termos de engajamento à campanha, porque os dois já vinham tendo atritos na fase preliminar. Embora a deputada Cida Ramos tenha ponderado, após a desistência de Cartaxo, que não estava propriamente duelando com ele nas prévias, mas participando de uma porfia democrática, que, na opinião dela, é uma espécie de tradição nas hostes petistas, a verdade é que Cartaxo chegou a ser acusado de “violência política de gênero” e teve repúdio de um Coletivo Nacional Feminino petista, que prontamente solidarizou-se com Cida Ramos. A acusação foi classificada por Cartaxo como “disparatada”, e na nota em que desistiu do confronto voltou a criticar setores da agremiação que, conforme justificou, optaram por promover uma disputa que somente tem servido para enfraquecer o PT em João Pessoa.
Em 2016, quando foi reeleito, Cartaxo obteve 222.689 votos, liquidando a parada no primeiro turno, enquanto a professora Cida Ramos ficou com 125.146 sufrágios. Ontem, Luciano repetiu que, com seu nome, o Partido dos Trabalhadores tinha chances reais de ir para o segundo turno e eleger o próximo prefeito de João Pessoa. “Mas, para isso, precisaria ter um candidato competitivo”, reafirmou, lembrando que a sua candidatura, nesse aspecto, poderia oferecer uma “gestão inteira de argumentos favoráveis para esse debate”. Foi exatamente a insinuação subliminar de que a deputada Cida Ramos não teria perfil de competitividade que provocou a reação da parlamentar, quadro que se radicalizou com o apoio manifesto de inúmeras tendências do PT local ao projeto dela. Teoricamente, Cida largaria em vantagem no âmbito interno para ser ungida candidata, segundo avaliações de dirigentes como Jackson Macedo, presidente estadual do PT. Mas Cartaxo e seus apoiadores apegaram-se ao argumento de que, nas pesquisas externas, ele liderava, e que não bastava ter votos apenas no PT.
A posição dos dois deputados em pesquisas junto ao eleitorado de João Pessoa para a disputa de outubro deste ano ainda é um mistério a ser desvendado, porque as informações são desencontradas em relação até mesmo a um levantamento que teria sido encomendado pela direção petista e que apontou margem estreita de diferença entre Luciano Cartaxo e Cida Ramos, quase configurando situação de empate técnico. Luciano fez do mantra da competitividade cavalo de batalha para se impor à indicação dos filiados do Partido dos Trabalhadores, tentando sensibilizar agrupamentos que estão cansados de resultados simbólicos e que lutam, mesmo, para chegar ao poder. O deputado, além de fazer crer que detém densidade ou capilaridade eleitoral em João Pessoa, acenava com outra “qualidade”: o seu preparo para dar combate a Cícero Lucena, terreno em que ele se considera mais versado do que Cida, até pela circunstância de ter enfeixado até 2020 o controle da prefeitura de João Pessoa. Da forma como esse argumento foi colocado por Cartaxo, pareceu uma manifestação de arrogância, com demérito para a capacidade de Cida Ramos, que é, reconhecidamente, uma figura enfronhada nas discussões sobre as demandas da Capital, com atuação em movimentos sindicais e de base, além de deter espaços de influência junto a segmentos do eleitorado que formam opinião em João Pessoa. A questão do potencial eleitoral é sempre relativa porque costuma oscilar a cada pleito. Embora medianamente aprovado no final das duas gestões na Capital, Cartaxo não teve o condão de transferir votos para sua candidata à sucessão, a concunhada Edilma Freire, ex-secretária de Educação do município, no pleito de 2020.
Por outro lado, quando se candidatou a deputado estadual em 2022, refazendo a trajetória política, Luciano Cartaxo obteve apenas o mínimo suficiente para assegurar uma cadeira (nos meios políticos, a expectativa era de percentuais mais significativos, consagradores até, capazes de projetar o ex-prefeito no cenário político estadual). A saída de Cartaxo do processo político-eleitoral este ano empobrece o debate, pelo conhecimento indiscutível que ele tem sobre problemas históricos da cidade de João Pessoa. Mas o parlamentar está desistindo, talvez, por ter cometido uma série de erros estratégicos, o principal deles uma certa soberba quanto às suas reais chances de ganhar o pleito, embora pesquisas indiquem, desde o início, o prefeito Cícero Lucena (PP) na liderança. De todo modo, fica para Cida e para o PT o desafio de juntar forças, sobretudo, para o combate a remanescentes bolsonaristas que tentam pescar em águas turvas, aproveitando impasse nos segmentos de esquerda e de centro. A conferir: os próximos capítulos da novela sucessória em João Pessoa, que já registra duas desistências: a de Nilvan Ferreira, ex-PL, e agora a de Luciano Cartaxo (PT).