Nonato Guedes
Ainda é imprevisível um prognóstico sobre o desfecho da briga interna nas hostes do Partido dos Trabalhadores em João Pessoa, depois que o Grupo de Trabalho de Tática Eleitoral, coordenado pelo senador Humberto Costa (PE), recomendou a suspensão de prévias cuja realização havia sido fixada para o começo de abril. O resultado dessa “intervenção” – uma expressão que o senador Humberto Costa não assume – foi o aprofundamento da briga entre os deputados estaduais Luciano Cartaxo e Cida Ramos, que duelam na mídia em termos pessoais, não em torno de ideias ou de propostas que possibilitem o crescimento do PT na Paraíba. A agremiação, como se sabe, definhou nos últimos anos em relação ao controle de prefeituras – em parte devido às dissenssões internas que se repetem de forma cíclica na sua história, em parte como consequência da perda de espaços do Partido dos Trabalhadores no plano nacional, em meio a episódios desgastantes como o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e, posteriormente, a prisão do líder Luiz Inácio Lula da Silva.
A expectativa, entre militantes petistas, era a de que o pleito deste ano constituísse passaporte para a retomada do fortalecimento do PT na Paraíba, aproveitando-se a volta de Lula ao Palácio do Planalto e o retorno de programas que começaram a ser executados ou, pelo menos, agitados, nas gestões de Lula e de Dilma Rousseff. Essa avaliação não levou em conta o fato de que a militância petista foi desmobilizada pela própria cúpula, pela falta de iniciativas para uma reaproximação com os movimentos de base que em outras épocas formaram o suporte indispensável para a guerra da comunicação com o eleitor por parte do PT no comparativo com outras agremiações. Esse distanciamento das bases chegou a ser reconhecido pelo próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, num gesto que se somou aos seus apelos para que o partido se esforçasse em caráter de “urgência urgentíssima” para retomar a interlocução perdida. Lula partiu da análise de que o PT não lhe oferece o conforto de maioria na Câmara dos Deputados e que o seu próprio governo perdeu muito da identidade petista quimicamente pura para se transformar num condomínio partidário, atraindo, inclusive, o famigerado “Centrão”, que tem peso decisivo nas votações dentro do Congresso Nacional.
Se não é propriamente refém do “Centrão”, o governo tornou-se caudatário do agrupamento fisiológico e conservador, conhecido pela voracidade com que avança na ocupação de cargos públicos e, ultimamente, na própria execução orçamentária, como reflexo da nova correlação de forças dominante na conjuntura nacional, em que se vive o chamado semipresidencialismo. A opinião pública acompanha as dificuldades políticas enfrentadas pelo presidente Lula para domesticar a sua base de sustentação política e conter os apetites insaciáveis de parlamentares que só votam favoravelmente a matérias do governo em troca de benesses ou de vantagens para seus grupos e seus redutos nos Estados espalhados pelo território nacional. Petistas históricos não escondem seu desconforto com essa convivência compulsória que estão tendo que exercer, em nome da alegada “governabilidade”, com representantes políticos que não debatem com seriedade a agenda dos problemas nacionais porque estão interessados, em tempo integral, nos benefícios que podem auferir, valendo-se da fragilidade do terceiro governo Lula que, na opinião de analistas da grande mídia nacional, envelheceu precocemente, como demonstrado nas posturas enviesadas que o fazem marcar passo na entrega de resultados acenados na campanha eleitoral.
A realidade de autofagia atualmente verificada nos quadros do PT paraibano, principalmente em João Pessoa, confirma a tese de que isto é um microcosmo da conjuntura nacional. Chega a ser espantoso o nível de radicalização nos embates travados abertamente pela deputada Cida Ramos com o deputado Luciano Cartaxo, com referências a “forças ocultas” que estariam agindo junto à direção nacional petista em Brasília para tumultuar o processo democrático de indicação de candidatura a prefeito de João Pessoa. Quanto mais a crise se agrava, no tom das palavras com que os deputados se comunicam, maior é o desânimo que toma conta dos petistas-raiz, preocupados com a sobrevivência e o futuro de uma legenda que ajudaram a construir em meio a adversidades, no enfrentamento direto com oligarquias tradicionais ou com líderes de partidos que lograram credenciar-se no combate à ditadura militar, ocupando espaços de forma soberana junto a parcelas importantes do eleitorado de João Pessoa e da região metropolitana por ela polarizada. Essa falta de perspectiva reflete-se na própria descredibilização do Partido dos Trabalhadores junto a formadores de opinião pública que, em outros períodos, foram fundamentais para alavancar as bandeiras da legenda e criar instrumentos de expansão política-eleitoral, sobretudo no agrupamento de esquerda.
Todas as atenções se voltam para a reunião da Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores, convocada preliminarmente para o próximo dia 26, quando casos complexos como o de João Pessoa estarão na pauta para uma deliberação. Mas a própria “intervenção” da direção nacional num processo que estava sendo conduzido pela instância deliberativa municipal, seguindo regras estatutárias, é indicativo bastante claro de que uma decisão final será imposta, custe o que custar, atropelando-se o ritual democrático que, na verdade, é apenas uma alegoria ou uma força de expressão para abafar os conflitos latentes que solapam a unidade petista. Dificilmente o partido sairá unido dessa guerra desgastante – e ainda há o risco de não prevalecer a tese que virou cavalo de batalha, ou seja, a da candidatura própria. O prefeito Cícero Lucena (PP), como se sabe, continua de portas abertas para receber o apoio do PT, apesar de fustigado tanto pelos pré-candidatos que ainda se apresentam no PT como por expoentes da direção nacional, a exemplo do senador Humberto Costa, de Pernambuco.