Nonato Guedes
A propósito dos 60 anos do golpe militar de 1954 no Brasil, que serão lembrados no próximo dia 31, vale ressaltar que uma das mais valiosas contribuições oferecidas à História sobre o tema explosivo foi o livro “O Jogo da Verdade – Revolução de 64, 30 Anos Depois”, lançado por A União – Superintendência de Imprensa e Editora, em 1994, por iniciativa deste colunista, que, então, exercia a direção do mais que centenário jornal oficial da Paraíba. Da organização do livro participaram ativamente figuras de expressão como o historiador José Octávio de Arruda Mello, o escritor Evandro Nóbrega, a professora universitária Carla Mary S. Oliveira e os jornalistas Sebastião Barbosa e Nonato Guedes, com inúmeras colaborações de um time de jornalistas do melhor nível, em sua maioria integrantes dos quadros de “A União”. O livro derivou de uma edição especialíssima do jornal, publicada em 27 de março daquele ano. “Nisto antecipou-se o mais que centenário jornal paraibano a muitos diários de circulação nacional, que somente poucos dias depois publicaram suas edições especiais sobre o vasto tema”.
Evandro Nóbrega ainda assinalou, na “orelha” do livro: “Como vozes que se evolam do passado recente, dezenas de participantes dos acontecimentos de 1964 dão aqui seu testemunho. São personalidades que se convencionou chamar de “esquerda”, “direita” ou centro. Uns e outros, convidados pelo vetusto matutino, tiveram a oportunidade de expressar suas atitudes e convicções”. Registrei, no prefácio, que “O Jogo da Verdade” representava, sem nenhuma modéstia, a aula de História, disciplina referencial inédita para tantos quantos desejem se aprofundar melhor nos subterrâneos de uma fase até então não inteiramente dissecada. Salientei, ainda, que “A União” tinha a consciência tranquila de que não procurou discriminar ninguém, além da certeza de que, apesar de algumas lacunas, a obra reunia o mosaico dos principais personagens, coadjuvantes ou espectadores de acontecimentos memoráveis. Há um exemplar do livro na biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, onde intelectuais de renome tiveram o interesse despertado pelo movimento militar brasileiro e escreveram obras históricas com sua versão dos episódios. “O Jogo da Verdade” – que optou por tratar o movimento como “revolução”, no título, embora, em suas páginas, haja destaque para a denominação “golpe” – foi um trabalho coletivo que consistiu na realização de entrevistas, na tomada de depoimentos dos “vencedores” e dos “vencidos” na guerra travada pelo poder e em livres relatos produzidos por atores importantes que não se recusaram a oferecer colaboração.
Depois de lembrar, na apresentação, que houve vitoriosos e derrotados em 1964, José Octávio cravou acertadamente que o movimento dividiu a Nação, sancionando clivagens decorrentes da própria evolução política, social e ideológica daquela fase. “Nesse particular, 1964 não representa unanimidade nacional ou algo próximo a isso, como a Independência, a República, a Abolição, a Revolução de 1930. Os que foram apeados do poder em abril de 64 nunca se conformaram com o ocorrido. Eles também possuíam projeto de organização nacional para o país – o das reformas de base. Por conta disso é que ainda hoje malsinam o ocorrido. Na impossibilidade de retornarem ao pré-64, revivem-no, apurando culpas e responsabilidades. Por outro lado, ao reconhecerem erros e provocações, que não foram poucas, penitenciam-se, autoflagelam-se e removem as bandagens de feridas não inteiramente cicatrizadas. Formaliza-se, então, o remorso como motor da História e enviesada consciência desta”. Para Octávio, por conta disso, a edição de “A União” sobre 1964 representou esmagadora supremacia dos derrotados. “É que os vitoriosos, beneficiários da História, não precisam de purgação alguma”, acrescentou.
No caso da edição de “A União” de 27 de março de 1994, houve um fato digno de menção que José Octávio não deixou passar esquecido: quatro dos principais protagonistas de 64, pelo lado vitorioso, na Paraíba – o major do Exército Benedito dos Magalhães Cordeiro, o coronel miliciano Luiz de Barros, o reitor Guilardo Martins e o presidente da Assembleia Legislativa, Clóvis Bezerra (vantajosamente substituído por pesquisa do jornalista João Evangelista) recusaram-se a enviar seus depoimentos. Em contrapartida, os vencidos atiraram-se com sofreguidão à chance concedida. A eles competiu expressar a dor dos subjugados, o desespero dos derrotados, ou seja, “as oportunidades perdidas” dos chefes militares germânicos da Segunda Guerra Mundial. Não obstante, conforme Octávio, isto não significava que o livro se tornasse maniqueu, como desforra dos vencidos contra os vencedores de 64. Se não foram poucos os que recorreram à Edição Especial de “A União” para exteriorização de amarguras e até ressentimentos pessoais (estes, felizmente, em número insignificante), outros, mesmo não ocultando os dissabores de 1964, preferiram análise serena e objetiva. São estes, seguramente, os que mais contribuem para o verdadeiro significado da História”.
O livro “O Jogo da Verdade” contou com colaborações de Nelson Coelho, Plauto Mesquita de Andrade, José Octávio, Hélio Zenaide, Evandro Nóbrega, Agnaldo Almeida, Thamara Duarte, Sebastião Barbosa, Nonato Guedes, José Euflávio, Martha Falcão, Luiz Hugo Guimarães, José Nunes da Costa, Joacil de Brito Pereira, Afonso Celso Scocuglia, Assis Lemos, Barroso Pontes, Gonzaga Rodrigues, Jonas Batista, Ademilson José, Fernando Dutra, Wills Leal, Sérgio de Castro Pinto, Jório Machado, Linaldo Guedes, João Evangelista, Emílio de Farias, Cláudio Santa Cruz Costa, José Onofre, Coronel Hipólyto, Luismar Resende de Assis, João Manoel de Carvalho. F. Pereira Nóbrega, Alex Santos, General Arby Ilgo Rech. Escrevi, no prefácio, que embora existam os que consideram ocioso exumar o passado, sobretudo quando esse passado, ainda bem recente, deixou traumas, cicatrizes profundas e controvérsias intermináveis, “a História é insepultável e precisa ser revisitada frequentemente, a qualquer época, não só para aclarar as verdades mas para que se extraia lições que possam tecer a moldura dos tempos contínuos”. Assim se dá nos 60 anos do golpe, que ainda comportam novas informações, análises e abordagens sobre o terremoto político-institucional que abalou o Brasil nos idos de março de 1964. De minha parte, confesso: a edição e o livro foram algumas das melhores contribuições que pode ajudar a oferecer à literatura paraibana, sempre instando à reflexão e à análise crítica, motores da dinâmica transformadora.