Nonato Guedes
No transcurso do bicentenário do Senado Federal, que foi destacado em sessão solene presidida pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o falecido senador paraibano Humberto Coutinho de Lucena faz parte da galeria dos protagonistas da história da instituição em períodos decisivos da realidade político-institucional brasileira. Lucena, que afrontou o regime militar quando exerceu mandato de deputado federal, foi detentor de uma carreira rica e movimentada, tal como descrito no livro “Grandes Vultos que Honraram o Senado”. Presidiu o Poder em duas ocasiões – a primeira vez em 87 e, posteriormente, no biênio 93-94, derrotando nomes respeitáveis como o de Nelson Carneiro (RJ) e José Fragelli (MS). Na segunda vez, esteve nesse cargo máximo quando a Assembleia Nacional Constituinte realizou seus trabalhos entre 1987 e 1988. Coube-lhe, entre outras iniciativas, a de fazer constar na nova Constituição Federal o regime presidencialista de governo, bem como a exigência de concurso público como única forma de ingresso na carreira de servidor do Estado.
Humberto Lucena, que faleceu em 13 de abril de 1998, exercia o terceiro mandato de senador e era presidente da Comissão Mista que tratava da reforma política e partidária. Chegou a ser líder da Minoria e do PMDB no Congresso e, da mesma forma, líder do Governo, no período José Sarney, que sucedeu a Tancredo Neves, falecido antes de se investir na suprema magistratura da nação. Com raízes fincadas no Brejo paraibano, Humberto Lucena iniciou sua trajetória política como deputado estadual pelo antigo PSD em 1951, sendo reeleito já em 1954. Em 1958, partiu para disputar mandato de deputado federal, sendo reeleito três vezes à Câmara – em 1962, em 1966 e em 1974. Em 78, foi vitorioso como candidato ao Senado pela Paraíba derrotando o ex-governador Ivan Bichara Sobreira (PDS) e contando com o reforço de duas sublegendas, ocupadas pelo advogado Ary Ribeiro, de Campina Grande, e pelo deputado João Bosco Braga Barreto, representante de Cajazeiras e do Sertão paraibano. Com a extinção do bipartidarismo ele ingressou no PMDB e pronunciou discursos incisivos contra a ditadura militar. Esteve na linha de frente do processo de impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello em 1992, em que não hesitou em denunciar atos de corrupção e empenhar-se na punição dos culpados.
Também enfrentou injustiças como a orquestração movida pelos seus adversários políticos para a cassação do seu mandato sob o argumento de ter utilizado verba da gráfica do Senado para confecção de material eleitoral – na verdade, calendários para os eleitores com os votos de Boas Festas e Feliz Ano Novo, expediente que era usado por outros notáveis do Congresso Nacional. O Tribunal Superior Eleitoral acabou acatando representação que pleiteava a cassação do mandato de Humberto, o que provocou protestos e, inclusive, um veemente pronunciamento por parte do seu colega de bancada da Paraíba, Antônio Mariz, que apontou decadência moral das elites do Judiciário brasileiro. O mandato foi restabelecido através de lei de anistia aprovada pelas duas Casas do Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Havia o convencimento de que Humberto não incorrera em falta grave ou absurda e o que havia era uma manobra adrede articulada para prejudicá-lo na carreira política.
As batalhas desgastantes travadas no Judiciário contra decisões qualificadas como extemporâneas até por alguns opositores de Humberto feriram profundamente o parlamentar e o próprio Legislativo sentiu-se afrontado com uma ação invasiva da Justiça e com os sinais de constrangimento moral a um parlamentar com mais de quarenta anos de vida pública. Alguns órgãos de imprensa do Sul do país, estimulados por uma certa onda de xenofobismo contra o Nordeste, assacaram contra Humberto em reportagens, dispensando-lhe, até mesmo, o tratamento de “coronel”, que chegou a ser desmascarado pelo menos por um jornalista do “Jornal do Brasil”, que fez questão de vir à Paraíba conhecer em detalhes a biografia do senador. Humberto Lucena, por sua vez, defendeu-se em discurso vigoroso no Senado, em maio de 1995, agradecendo o apoio e a confiança que recebeu dos seus pares, mas deixando claro que a anistia, no seu caso, não era perdão. Era a reparação de direitos usurpados pela violência política, como anotou o ex-senador Efraim Morais, primeiro secretário do Senado Federal, em texto sobre a trajetória do conterrâneo inserido no livro “Grandes Vultos que Honram o Senado”. Adversário regional de Humberto Lucena, Efraim Morais reconheceu que se tratava de um grande homem público do século XX, que honrou o Estado da Paraíba, o Senado e o Brasil.
Defensor intransigente dos Direitos Humanos e das liberdades públicas em plena ditadura militar, quando deputado federal, Humberto agigantou-se nas suas passagens pelo Senado Federal, abordando uma série de temas relacionados com a problemática nacional e sempre adotando postura crítica, de cobrança, aos governos federais de plantão. Seus pronunciamentos enfatizaram a crise econômica, os problemas decorrentes da inflação, as consequências do desemprego e da falta de melhores condições de vida para o povo pobre. Da mesma forma, encampou bandeiras de defesa do fortalecimento dos Estados do Nordeste, com o respeito à sua autonomia e o incentivo às suas potencialidades. Manifestou-se em defesa dos estudantes, insurgindo-se contra atos de exceção praticados na continuidade do ciclo militar que perdurou por 21 anos, até 1985, quando ocorreu a eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral indireto. Humberto Lucena foi uma figura emblemática, não somente para a Paraíba, mas para o Brasil, pela sua vocação para a política. Apesar das vitórias em eleições diretas ao Legislativo, não conseguiu concretizar um sonho – o de ser governador da Paraíba. Em diferentes oportunidades, abriu mão da indicação para favorecer correligionários ilustres do seu partido.