Nonato Guedes
No sexagésimo aniversário do golpe militar que mergulhou o Brasil em duas décadas de ditadura, a ex-presidente da República Dilma Rousseff, atual presidente do Banco dos BRICS, utilizou as redes sociais para manter-se coerente e lançar um veemente apelo à memória e à verdade histórica. Em uma publicação no X, antigo Twitter, ela destacou a importância de não esquecer os eventos sombrios que moldaram o curso da história brasileira. A “Revista Fórum” observa que, enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva optou por uma abordagem mais contida, evitando atos em alusão ao golpe para não inflamar ainda mais o ambiente político, Dilma Rousseff foi incisiva em sua mensagem e ressaltou que manter viva a memória do golpe militar que depôs o presidente João Goulart em 1964 é crucial para garantir que tais tragédias não se repitam no futuro.
As trajetórias de Dilma Rousseff e Lula são distintas em relação à militância política. Aos 21 anos, morando em Belo Horizonte, Minas Gerais, Dilma mergulhou na clandestinidade procurada pela ditadura militar, por volta de 1969. Escondeu-se no Rio de Janeiro, foi presa e torturada em São Paulo e cumpriu pena de quase três anos no Presídio Tiradentes. Somente iria recomeçar a vida em 1973, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, ao lado do segundo marido, o advogado Carlos Araújo. Fez novos amigos, formou-se em Economia, teve uma filha e continuou fazendo política – a resistência, a oposição, a luta pela democracia e a reinvenção dos governos populares, como relata Ricardo Batista Amaral no livro “A vida quer é coragem – A trajetória de Dilma Rousseff, a primeira presidenta do Brasil”. Ela foi convocada, no final de 2002, para integrar o governo do primeiro operário eleito presidente do Brasil – e então, a vida recomeçou mais uma vez para ela, depois de tantas dificuldades.
Do passado de militância clandestina e da prisão, Dilma extraiu marcas de tortura e intimidação, mas, também, somou a experiência de participar, na fase final da ditadura, do movimento pela anistia e da reorganização dos partidos políticos legais. No Rio Grande do Sul, uma considerável corrente de esquerdas associou-se não ao nascente PT mas à tradição trabalhista, fortemente arraigada na terra natal dos ex-presidentes João Goulart e Getúlio Vargas. Dilma e Carlos Araújo participaram da formação do Partido Democrático Trabalhista-PDT de Leonel Brizola, o herdeiro do trabalhismo. Pelo PDT e, anos mais tarde, incorporada ao PT, Dilma foi secretária da Fazenda da prefeitura de Porto Alegre, presidente da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul e duas vezes secretária de Energia, Minas e Comunicação, antes de se tornar ministra das Minas e Energia e chefe da Casa Civil do governo Lula – sempre a primeira mulher a assumir aquelas funções. A presidência da República jamais esteve nos seus planos, nem em sonhos, mas Dilma representou uma aposta direta do presidente Lula, que a chamou publicamente de “Mãe do PAC” – Programa de Aceleração do Crescimento no lançamento das obras do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.
A história de resistência de Lula à ditadura deu-se em outro plano, nas lutas empreendidas no ABC paulista à frente de movimentos sindicalistas que se confrontavam diretamente com patrões por causas que eram renegadas. Isto custou perseguição e até prisão de Lula, sem comparação, porém, com a saga de Dilma, que conheceu o rigor da repressão e foi filiada a organizações de esquerda proscritas pela chamada ditadura militar. Na postagem feita na rede social, Dilma Rousseff recordou os horrores do regime militar, que resultaram em inúmeras violações dos direitos humanos, incluindo tortura e morte. Ela mencionou sua própria experiência como vítima da brutalidade do regime, lembrando detalhes chocantes de sua prisão e tortura, como o soco que deslocou seu dente e o subsequente ato de violência que o arrancou. Além do seu testemunho pessoal, Dilma Rousseff mencionou as consequências devastadoras que o golpe teve para a democracia brasileira. Ela enfatizou a traição à Constituição, a eliminação das conquistas sociais e econômicas e a derrubada do presidente João Goulart, que ascendera de forma legítima ao poder na condição constitucional de vice-presidente da República, com a renúncia produzida pelo então titular do cargo, Jânio da Silva Quadros.
Dilma Rousseff igualmente alertou para os perigos atuais, fazendo uma conexão direta entre o passado e o presidente. Ela se referiu expressamente ao episódio do 8 de janeiro de 2023, quando forças reacionárias tentaram repetir os horrores do passado mas foram impedidas. Para a ex-presidente da República, é essencial reconhecer os sinais de traição à democracia e condenar aqueles que buscam minar as instituições democráticas. A mensagem final da ex-presidente foi clara e inequívoca: “Ditadura nunca mais!”. Ela conclamou a sociedade brasileira a permanecer vigilante contra qualquer tentativa de erodir os pilares democráticos do país. Vítima da ditadura militar de 1964, Dilma Rousseff também se considerou vítima de outro golpe, desta feita perpetrado contra seu mandato de presidente da República em 2016, quando sofreu processo de impeachment decretado pelo Congresso Nacional. Ela repete a versão de que foi alvo de uma orquestração, convertida em conjuração para destituí-la do cargo, por forças políticas conservadoras que tinham interesses contrariados na sua gestão. A ex-presidente foi reabilitada no terceiro mandato de Lula e dirige o Banco dos BRICS, sendo interlocutora privilegiada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.