Nonato Guedes
O cenário político voltou a ficar tenso em Brasília com o confronto entre o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), um dos expoentes do chamado Centrão, e o Palácio do Planalto, tendo como pano de fundo críticas dirigidas por Lira ao ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, cuja competência para o cargo foi questionada publicamente. Desta feita, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi firme na defesa do seu auxiliar, chegando a garantir a sua permanência no posto “por muito tempo ainda”. Em nota, o Partido dos Trabalhadores, presidido pela deputada federal Gleisi Hoffmann (PR) disse que a manifestação de Arthur Lira ofende a harmonia entre os Poderes, referindo-se à relação entre o Congresso e o Executivo. “Ao atacar o ministro Alexandre Padilha, o deputado Arthur Lira compromete a liturgia do cargo de presidente da Câmara dos Deputados e ofende a harmonia entre os Poderes da Pública. O Brasil precisa de relações republicanas saudáveis para superar o atual estágio de beligerância provocado por atitudes que desafiam a convivência política e social”, acrescentou.
Na quinta-feira, Arthur Lira disse que Alexandre Padilha é um desafeto pessoal dele e um “incompetente”. O presidente da Câmara igualmente acusou o governo Lula (PT) de vazar informações e plantar notícias falsas sobre resultados e leituras de votações ocorridas no plenário da Câmara dos Deputados, a exemplo da votação sobre a manutenção da prisão do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) por suposto envolvimento no assassinato da vereadora Marielle Franco. Reportagem do jornal “Folha de S. Paulo” revelou que líderes próximos a Lira, como Elmar Nascimento, do União Brasil-BA, defendiam que a prisão fosse revogada. Com a manutenção da prisão, o jornal indicou que o atual presidente da Câmara saiu do caso “enfraquecido”, tema ao qual Lira fez referência em sua fala. Os partidos mais próximos do governo Lula, incluindo o PT, defendiam que Brazão continuasse preso. A ministra da Igualdade Racial da administração petista é irmã de Marielle, Anielle Franco. Além do “caso Brazão”, Lira tem se queixado de uma suposta interferência do Planalto na eleição para escolha do seu sucessor na Mesa, o que é desmentido pelos porta-vozes de Lula.
O ataque público do presidente da Câmara ao ministro das Relações Institucionais ameaçou travar a apreciação dos vetos presidenciais pelo Congresso Nacional, prevista para ocorrer na próxima semana. A previsão é de que a sessão para análise dos vetos palacianos corre o risco de ser adiada até que a poeira baixe, a fim de não causar prejuízos ao governo. A sessão que vai analisar os vetos foi convocada pelo presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para o dia 18 de abril. O governo, entretanto, sabe que ainda não tem votos suficientes para manter os vetos de Lula. Parlamentares ouvidos pelo “Congresso em Foco” avaliaram que nessa queda de braço Lira pode impor mais uma derrota ao Palácio do Planalto. O governo espera que Rodrigo Pacheco, que é o responsável pela convocação da sessão, entre em campo para acalmar os ânimos – e o senador já deu sinais de que não vai colocar mais gasolina na fogueira. “O que eu posso dizer é que me esforço muito para manter uma boa relação com o governo, com o próprio ministro Alexandre Padilha, por quem eu tenho simpatia, afeição, e o considero competente. Da parte do Senado, nós vamos buscar ter o melhor relacionamento possível com o governo e com o próprio ministro Padilha”, afirmou Pacheco.
A relação entre Lira e Padilha não percorre mares tranquilos há mais de um ano, mas nesta semana, conforme o “Congresso em Foco”, tomou proporções públicas que surpreenderam até mesmo aliados do presidente da Câmara. Nos bastidores, Lira nunca escondeu seu descontentamento com as negociações feitas por Padilha, mas, pela primeira vez, veio a público esta semana para qualificar Padilha como um “desafeto, além de pessoal, um incompetente”. Ontem, durante um evento no Rio de Janeiro, Padilha evitou devolver as ofensas a Arthur Lira na mesma moeda. Citou o “rapper” Emicida para elaborar resposta pública ao presidente da Câmara. “Sobre rancor, a periferia da minha cidade, São Paulo, produziu uma grande figura, o Emicida. Que diz: “Mano, o rancor é igual a tumor, envenena a raiz. A plateia só deseja ser feliz”, disse o ministro, que acrescentou que não vai “descer a esse nível”, referindo-se diretamente às declarações feitas pelo presidente da Câmara. Enquanto as divergências pessoais entre Lira e Padilha se intensificam, o governo amplia a relação de vetos para os quais precisa de apoio no Congresso. Lula vetou parte do projeto que elimina as saídas temporárias de presos durante feriados e datas comemorativas. O veto à lei, publicado no Diário Oficial da União, foi direcionado apenas à disposição que restringia as saídas temporárias para visitas familiares de presos. A chamada “saidinha” se aplica a detentos já em regime semiaberto.
O governo já foi avisado de que não tem votos suficientes para manter o veto, o que pode pesar na decisão por um adiamento da sessão já convocada. Esse item não está na pauta da próxima semana mas parlamentares querem incluí-lo para dar uma resposta imediata ao presidente Aliados do governo consideram que é menos prejudicial o adiamento da análise do que uma derrota em plenário, o que enfraqueceria ainda mais as relações de Padilha com os parlamentares que em parte já estão estremecidas. Há, ainda, na gaveta, os vetos do presidente Lula a trechos do arcabouço fiscal, que estavam previstos para entrar esta semana na pauta do Congresso Nacional, travaram e agora caminham junto com os do marco temporal. A bancada ruralista da Câmara quer que os vetos do presidente ao PL 2903/2023, que institui o marco temporal, sejam colocados em apreciação na mesma sessão. Já há “bombeiros” operando em Brasília para superar um conflito cujo desfecho é imprevisível para o governo, do ponto de vista de derrotas e desgastes.