Nonato Guedes
O Partido dos Trabalhadores (PT) vive um drama porque governa o país mas dá sinais de falta de fôlego para disputar prefeituras nas 200 maiores cidades brasileiras deste ano, onde residem 80 milhões de adultos, metade do eleitorado nacional. É provável que, em outubro, seis em cada dez eleitores desses municípios sequer tenham a chance de votar no PT, conforme analisa o colunista José Casado em artigo publicado na revista “Veja”. Ele acrescenta que a projeção de declínio do PT, feita no mais recente balanço interno, disseminou preocupação no partido, “caso incomum de organização política que encolhe nas maiores cidades do país, embora tenha vencido cinco das seis eleições presidenciais deste início de século”. Na última década, o PT perdeu sete de cada dez cidades que governou, detalha José Casado em sua análise.
Em 2012, foram eleitos 630 prefeitos, um recorde – atualmente, restam 183. O PT já administrou nove Capitais, inclusive, João Pessoa e hoje não tem nenhuma. Reduziu-se à administração de menos de 5% dos 5 570 municípios brasileiros, dois terços dos quais têm menos de 50 000 habitantes. O colunista descreve que sempre foi débil a relação entre a votação do partido e a votação de Lula, o líder maior. E que a mútua dependência transformou o antigo ícone metalúrgico em candidato permanente do PT à Presidência nas últimas três décadas e meia – uma peculiaridade política brasileira. “O divórcio nas urnas ficou visível, por decisão dos eleitores. E tem sido visível, também, nas eleições parlamentares. Em 2002, Lula chegou ao Palácio do Planalto com uma bancada de 91 deputados federais. Vinte anos depois, voltou com apenas 68, equivalentes a 13% do plenário da Câmara. É uma realidade dolorosa que tem imposto sacrifícios e até mesmo um alto preço político ao governo nas votações de matérias cruciais, diante da negociação permanente e compulsória com partidos de direita e centro-direita que integram o chamado Centrão, aos quais são destinados, inclusive, ministérios estratégicos – casos do PP, União Brasil e Republicanos.
José Casado pontua que o presidente Lula tem um histórico de controle férreo do PT e destaca que o culto à personalidade e o dogma da infalibilidade induziram os petistas a uma crise silenciosa. Novos e antigos dirigentes não dissimulam inquietude, e em reuniões fechadas, extravasam angústia com a apatia interna. Criticam a falta de debate sobre alternativas ao rumo do governo, à política econômica e ao formato atual das alianças com frações do Congresso, como as alas moderadas do Centrão. É o partido mais organizado, está na terceira geração parlamentar, porém, enfrenta o receio de fragmentação num futuro próximo, com ou sem Lula. A seis meses da eleição – alerta Casado – o cenário petista sugere que ele fez uma opção preferencial pela timidez na eleição do meio do mandato. Aparentemente montou um plano para este ano condicionado pela necessidade de alianças ou de neutralidade em 2026. É uma data-chave no calendário dele e do PT, porque ambos vão precisar decidir já no ano que vem se Lula será candidato à reeleição, se vai se aposentar do ofício de candidato permanente ou se pretende indicar um substituto na competição pela Presidência da República.
“Lula não deixou o PT disputar a prefeitura de São Paulo, embora o partido já tenha governado três vezes a cidade, onde vivem 27,5% dos eleitores do Estado e que detém o terceiro orçamento da República. Em 2022, venceu Jair Bolsonaro na capital paulista com 53% da votação e uma vantagem beirando meio milhão de votos. Agora, preferiu apagar o PT em São Paulo e destacar o PSOL, com Guilherme Boulos, para enfrentar o MDB do prefeito Ricardo Nunes, que se aliou a Jair Bolsonaro. Vetou, também, candidatos do PT no Rio e em Salvador, entre outros colégios eleitorais relevantes. Em Salvador, armou o jogo sem petista na disputa pela prefeitura, favorecendo um aliado local, o MDB de Geddel Vieira Lima. Ex-deputado, protagonista no impeachment de Dilma Rousseff e ex-ministro no governo Michel Temer, Geddel é um sobrevivente do banco dos réus na política. Flagrado com 51 milhões de reais em malas num apartamento, foi condenado a mais de catorze anos de prisão em 2019. Ganhou liberdade condicional três anos depois e hoje é um dos mais influentes personagens na coalizão chefiada pelo PT que governa a Bahia.
José Casado, em seu artigo na “Veja”, afirma que Lula e Bolsonaro deixam explícita a ansiedade por um embate entre direita versus esquerda na campanha deste ano, o que não é comum ou não é da tradição das eleições municipais. Essa possibilidade existe, mas até agora o quadro sugere que os dois líderes políticos não têm o controle disso. Da maneira como o jogo eleitoral está avançando, haverá disputa direta entre o PT de Lula e o PL de Bolsonaro, mas ela deve ficar restrita a doze das 27 Capitais, e sem algumas das mais relevantes como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, entre outras. Conclui José Casado: “A realidade de Lula já não coincide com a do PT. As apreensões dos petistas lembram a inquietude de Isidoro Vidal, personagem do escritor argentino Adolfo Bioy Casares .Vidal vivia um drama: o cansaço já não servia para dormir e o sono já não servia para descansar”. Na prática, o que se nota, a partir de João Pessoa, é que o PT está definhando justamente no segundo ano do terceiro mandato empalmado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, símbolo maior do petismo no Brasil.