Nonato Guedes
Para matar o ócio derivado da não reeleição, pelo voto, à Presidência da República, e ao mesmo tempo como estratégia para se manter em evidência, protelando ao máximo o ostracismo que lhe está reservado, Jair Bolsonaro (PL) e seu grupo de apoiadores investem no novo filão – a promoção de atos públicos ou de manifestações, de forma ousada, em grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro. O enredo é repetitivo: críticas ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal, especialmente a Alexandre de Moraes, pelo seu protagonismo em ordens de prisão de baderneiros bolsonaristas flagrados no ataque às sedes dos Três Poderes em Brasília, no 8 de Janeiro. O pastor Silas Malafaia segue no papel de principal porta-voz da orquestração, nominando autoridades, como o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), retratadas como cúmplices do projeto de poder do Partido dos Trabalhadores e da esquerda.
Segundo analistas da mídia sulista, o comício de ontem em Copacabana, no Rio de Janeiro, que atraiu governadores como Tarcísio de Freitas, de São Paulo, do Republicanos (possível rival de Bolsonaro na preferência da direita para futuras eleições presidenciais), não conseguiu produzir novidades, ainda que o público fosse respeitável. Aliás, houve até um recuo na verborragia do bolsonarismo, já que o próprio ex-presidente considerou “página virada” o processo das eleições de 2022 em que perdeu para Lula no segundo turno. O discurso que resiste é o da “censura” à liberdade de expressão, que se desmentiu por si só, na própria fala dos oradores de que estão vivendo sob uma ditadura, embora gozassem de plena liberdade de locomoção e, por óbvio, de expressão. Essa falta de conteúdo concreto, ou orgânico, das manifestações bolsonaristas é que está levando analistas a avaliarem que a tendência é o esvaziamento delas. Multidão nenhuma se propõe a ir às ruas por muito tempo para protestar no vazio, ou seja, para expressar ambições que não são correspondidas. A ilusão de um golpe de Estado não sobrevive mais porque a democracia brasileira demonstrou ser forte para resistir aos saudosistas do golpismo, mancomunados com eternas vivandeiras de quartéis a que aludiam generais-presidente como Castello Branco, no auge do golpe de 64.
Falta a Bolsonaro, além da coerência, o poder de acenar com perspectivas de retomada da influência que se exerceu no vácuo político nacional decorrente do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e da ascensão de Michel Temer à titularidade. O próprio ex-presidente circula pelo país com uma espada de Dâmocles sob a cabeça, passível, a qualquer momento, além de reiteração da inelegibilidade para cargos executivos, da própria ameaça de prisão, no bojo dos inquéritos instaurados contra ele por uma série de episódios comprometedores quando da sua passagem pelo Palácio do Planalto. Chega a ser patética a insistência de Bolsonaro em denunciar ao mundo que o Brasil está vivendo uma ditadura da toga quando ele mesmo foi inquirido pela minuta de um golpe de Estado que pretendia reviver no país o fantasma da exceção, personificada no Ato Institucional Número Cinco, que conferia poderes excepcionais a ditadores de plantão para dispor sobre o destino livre dos cidadãos brasileiros. Bolsonaro é, confessadamente, um adorador de torturadores e está sempre “flertando” com os adeptos de regimes totalitários de direita.
A orquestração bolsonarista desencadeada em grandes centros como Rio e São Paulo seria até dispensável diante da constatação de que, logo, logo, estará se abrindo o calendário eleitoral para escolha pelo voto de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores em todos os municípios do território nacional. Esta, sim, será a oportunidade apropriada para que se faça propaganda na competição por virtudes, por mais que algumas análises apontem dificuldade de nacionalização da campanha eleitoral, principalmente, nas pequenas localidades. Em todo caso, o partido de Bolsonaro – o Partido Liberal, vai polarizar com candidatos do PT ou de partidos aliados ao governo do presidente Lula as eleições municipais em diversas Capitais estratégicas do país. Se bem conduzida pelas forças de direita que seguem a liderança do ex-presidente da República, o pleito poderá se tornar plebiscitário em algumas Capitais importantes. Em caso contrário, a campanha passará longe de motivações ideológicas para ganhar contornos de disputa de campanário entre facções locais que se digladiam pela ocupação de espaços.
O presidente Jair Bolsonaro não pode ser qualificado, propriamente, como líder partidário, já que não cumpre missões de tarefeiro na organização do partido a que é filiado, com vistas a consolidar posições de destaque e, em outros casos, a conquista-las para suas hostes e para o ideário da direita. A sua passagem recente por João Pessoa, onde o ex-ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, é pré-candidato a prefeito pelo PL, foi desastrosa para o planejamento de Queiroga no sentido de alavancar sua posição em pesquisas preliminares de intenção de voto. Bolsonaro parecia mais preocupado em ser o centro das atenções, num teste egocêntrico de possibilidades, embora a disputa presidencial não esteja, no momento, no radar. Nada garante que ele venha a ser um cabo eleitoral disciplinado e eficiente para candidatos alinhados com suas bandeiras, o que não quer dizer que a direita não tenha espaços na eleição. Quanto à intimidação do bolsonarismo ao Supremo, não surtirá efeito, salvo dentro das medidas previsíveis para os delitos cometidos. O governo Lula é que precisa ser mais ofensivo e evitar esse contraponto que, de fato, lhe incomoda e, sobretudo, ao seu partido, o PT, que vive processo de esfacelamento pelo país.