Nonato Guedes
Desde o primeiro mandato, depois que rompeu com o antecessor Ricardo Coutinho (atual PT), que ainda manobrou para tomar-lhe o controle de um partido, o PSB, afinal reconquistado no tempo adequado para postular a reeleição, o governador João Azevêdo tem recorrido à estratégia de não polemizar com o antigo aliado, para não lhe dar palanque e visibilidade no cenário político estadual. À frente do Executivo, Azevêdo assistiu à primeira derrota de Coutinho, na tentativa de retornar à prefeitura de João Pessoa, em 2020, e em 2022 testemunhou a segunda derrota eleitoral de Ricardo como candidato ao Senado. O distanciamento alimentado pelo atual governante em relação ao antecessor bastou para calar as insinuações de que os dois líderes políticos estavam fazendo jogo de cena, isto é, ensaiando para o público um rompimento aparente. Não foi isto o que aconteceu – e a verdade é que cada um teve que cuidar da sua vida.
Esta semana, Ricardo Coutinho, que atualmente está domiciliado em Brasília mas mantém o radar político ligado 24 horas por dia na Paraíba, tentou pegar carona, de forma enviesada, numa entrevista do secretário Deusdete Queiroga, de Recursos Hídricos, ao Sistema Arapuan, quando ele comentou que em seis anos de governo João Azevêdo já realizou obras significativas e empreendeu ações de repercussão no Estado que suplantaram marcas do governo anterior. A afirmação foi feita de forma aleatória, em meio à provocação derivada da acuidade do jornalista Luis Torres, que tentou estabelecer um parâmetro ou comparativo entre recordes da Era ricardista e os recordes da Era de Azevêdo. Interpelado, ainda por repórteres do Sistema Arapuan, o ex-governador animou-se para um confronto, dispondo-se a participar de um debate que teria o fito de traçar a analogia entre os respectivos períodos administrativos e já insinuando que levaria vantagem em qualquer segmento que fosse enfocado. Chamado à colação para o “tira-teima”, o governador respondeu que não tinha tempo para discussões pessoais e arrematou que o julgamento sobre o saldo das administrações cabe ao povo, em seu livre discernimento e por sua livre manifestação. Em princípio, morreu aí a polêmica.
Nada impede que o ex-governador Ricardo Coutinho ou quem quer que seja faça comparativo sobre percentuais de eficiência de gestão pública na Paraíba nos últimos anos. É uma avaliação até salutar para análise ou interpretação da historiografia política estadual. Este repórter, mesmo, no livro “A Fala do Poder” – que constituiu proposta editorial inédita na Paraíba, como observado pelo ex-senador Marcondes Gadelha em vibrante prefácio – cravou fatos decorrentes de diferentes gestões, facultando ao leitor a liberdade de traçar paralelos, emitir julgamentos e conferir se, concretamente, os discursos de posse proferidos pelos governantes espelharam a realidade que vivenciaram no exercício do poder. A exegese de Marcondes, impecável, foi a de que os discursos de posse são cartas de intenção, ou mesmo, cartas-compromisso que inspiram os empossados, uma vez vitoriosos nas batalhas das urnas que enfrentaram. Como também registrei, muitas das promessas agitadas nas campanhas eleitorais perderam-se ao longo dos mandatos por causa das conjunturas atípicas, de fenômenos externos, alheios à vontade de governadores que desejavam, mesmo, ser eternizados no imaginário popular pelos atos que refletiram o tônus das suas gestões. Alguns, acossados pela pressão da conjuntura, buscaram credenciar-se em gestos marcantes, de firmeza e de realização simbólica indelével.
João Azevêdo e Ricardo Coutinho tiveram convivência amistosa durante um bom período da vida pública paraibana nas últimas décadas – o primeiro guindado pelo segundo da condição de especialista técnico para a de gestor e, mais tarde, para o papel de agente político, posteriormente convertido em líder de um agrupamento que optou por seu comando no desideratum do rompimento sacramentado entre o atual e o ex-governador. Cabe ponderar, também, que a fase de Azevêdo como “jejuno político” foi abreviada em pouco tempo, com a sua ascensão, já no pleito de 2018, ao governo do Estado, pela primeira vez, quando teve, evidentemente, o apoio importante ou decisivo de Ricardo Coutinho, que não estava ainda contaminado pelos reflexos da Operação Calvário, centrada no desvio de recursos públicos de áreas essenciais como a Saúde e a Educação. Em 2022, João Azevêdo foi, por assim dizer, plebiscitado nas urnas quando buscou a reeleição e a conseguiu, ainda que enfrentando a oposição aberta do ex-aliado Ricardo Coutinho e de outros protagonistas que emergiram no cenário político paraibano. Independente da margem estreita de diferença alcançada sobre o oponente mais próximo, o então deputado federal Pedro Cunha Lima, do PSDB, João Azevêdo foi julgado no voto e ganhou passaporte para um novo mandato, que ele exerce seguramente em outras circunstâncias, levando-se em conta que no primeiro conviveu com um governo hostil – o do então presidente Jair Messias Bolsonaro (PL), enquanto, hoje, convive com um governante aliado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que restabeleceu a liturgia do pacto federativo no Brasil.
As obras de impacto legadas pelas administrações de Ricardo Coutinho não deixam de ter sua perenidade, inclusive, na área cultural, no Teatro A Pedra do Reino, que é motivo de elogios de artistas de renome nacional e internacional que lá se apresentam. Ricardo também enfrentou dificuldades na relação com o governo federal, quando este foi empalmado por Michel Temer, em decorrência do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que Coutinho trouxe ao Estado para fazer sua defesa em momento dramático para ela e para a sorte das instituições. O que contribuiu para desgastar a imagem de Ricardo foram, mesmo, os escândalos denunciados, associando seu governo a irregularidades gritantes e a atos de malversação do dinheiro público. Tecnicamente, João Azevêdo está impossibilitado de fazer um comparativo correto de governos se o seu segundo ainda está em pleno andamento e quando somente a partir daí ele passou a ter de Brasília as benesses de que fora privado. 2026 pode ser uma data-limite ideal para o esperado confronto, sobretudo se até lá o atual chefe do Executivo mantiver o propósito de ser candidato ao Senado. Enquanto isso, o que lhe cabe é administrar a Paraíba, e administrar bem!