Nonato Guedes
Na última sexta-feira o Senado Federal realizou uma sessão especial para homenagear os 40 anos das Diretas Já, movimento político e popular que promoveu manifestações entre 1983 e 1984 defendendo a aprovação da proposta de emenda constitucional que buscava restabelecer as eleições diretas para presidente da República. Apesar de a proposta contar com o apoio de mais de 80% da população brasileira, a Emenda Dante de Oliveira, batizada com o nome do deputado pelo Mato Grosso e primeiro signatário do texto, não foi aprovada pela Câmara dos Deputados no dia 25 de abril de 1984. Houve, naturalmente, uma frustração por parte dos segmentos da sociedade engajados na articulação e a derrota não ofuscou o caráter de “marco histórico” da mobilização de rua empreendida. Houve comícios gigantescos, no Rio de Janeiro, em São Paulo, em João Pessoa, atraindo condestáveis da oposição ao regime militar como o senador Tancredo Neves (MG) e o deputado federal Ulysses Guimarães (SP).
Autor do requerimento para a realização da sessão comemorativa dos 40 anos das “Diretas Já”, o senador Wellington Fagundes (PL-MT) indagou: “O que estava por trás dessa mobilização tão ampla, nunca antes vista e até hoje não repetida? A nação queria mudanças e a nação mudou, impulsionada pelas vozes das ruas, pela vontade popular. Por isso, é caminhando que se abrem os caminhos”. Vale recordar que, no princípio, alguns políticos oposicionistas temiam as consequências de uma mobilização popular, embora parecessem evidente os sinais de fastígio da ditadura militar, que já não encontrava apoio entre os próprios remanescentes golpistas. O regime de arbítrio exauria-se em meio à incapacidade para controlar a inflação e à falta de respostas para os desafios urgentes do país. Em paralelo, a sociedade passara a conhecer fatos repugnantes de repressão política, cometida por agentes da ditadura, com o rosário de cassações injustificadas de mandatos, de punições arbitrárias de professores, estudantes, sindicalistas e religiosos e atos explícitos de tortura nos porões do regime, além do ambiente insuportável de censura à imprensa e à atividade política em geral.
A jornalista Dora Kramer, que foi convidada a falar durante a homenagem da semana passada, lembrou que aquele movimento foi a porta para o aprofundamento da reabertura democrática. “Foi uma ideia luminosa que mobilizou todo o país, que fez com que nós, da imprensa, fôssemos atrás do movimento. A imprensa encampou a iniciativa, em especial o jornal “Folha de S. Paulo”. Mas quem deu a faísca foi Dante de Oliveira”, relembrou a articulista política. A esta altura já não se discutia mais a questão da parcialidade ou não da imprensa, diante da emergência do sentimento nacional pela volta da democracia plena, efetiva. Engolfado em suas contradições e perdendo o controle da situação, o governo já vinha absorvendo algumas concessões, a exemplo das eleições diretas para governadores em 1982 e das eleições para prefeitos das Capitais e municípios considerados como áreas de segurança nacional, em 1985. Faltava a queda da Bastilha brasileira – e malgrado a emenda Dante de Oliveira tenha sido derrotada pelo Congresso, em 1989 ocorreram as esperadas eleições diretas para presidente, com a polarização entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Collor de Mello (PRN), vitorioso este e, em pouco tempo, destronado por meio de um processo de impeachment.
À Agência Senado, Thelma de Oliveira, ex-deputada federal por Mato Grosso e viúva de Dante de Oliveira, estabeleceu uma conexão direta entre a memória do marido falecido e o atual movimento pela redemocratização. “Ele era um homem democrático por natureza e visionário em todos os setores em que atuava. Quando apresentou a emenda, em março de 1983, votar para presidente era uma coisa tão simples, mas que teve uma representação muito grande. Ele não esperava que o movimento fosse ganhar toda essa visibilidade”, afirmou Thelma. A irmã de Dante, Inês Martins de Oliveira, explicou a estratégia que o ex-deputado desenvolveu para levar adiante o movimento. “Para poder avançar, a gente não podia fazer enfrentamentos diretos. Essa foi a técnica que ele foi adquirindo, de conversar com todos os grupos”. A abertura política, iniciada no governo Ernesto Geisel com a extinção, por exemplo, do Ato Institucional Número Cinco, em 1978, teve continuidade no governo João Figueiredo (1979-1985), que sancionou a Lei da Anistia e o pluripartidarismo.
As eleições diretas para os governos estaduais em 1982 tiveram a participação de políticos anistiados, como Leonel Brizola, eleito governador do Rio de Janeiro pelo PDT. O MDB foi o grande vencedor naquele ano, elegendo Tancredo Neves em Minas Gerais, Franco Montoro, em São Paulo, e Iris Rezende, em Goiás. A Emenda Dante de Oliveira foi registrada como Proposta de Emenda Constitucional 5/1983 e foi apresentada à Câmara dos Deputados em 19 de abril de 1984. Os 298 votos a favor, 65 contra e 3 abstenções não foram suficientes para que a proposta seguisse para o Senado. Na época, seriam necessários 320 votos para aprovar uma PEC. A emenda constitucional do ex-deputado federal eleito pelo Mato Grosso, falecido em 2008, se aprovada, garantiria a realização de eleições presidenciais diretas em 1985. Naquela altura, entretanto, estava em vigor a Constituição promulgada em 1967, que no seu artigo 74 previa a eleição do presidente pelo Congresso reunido em colégio eleitoral, ou seja, pelo voto indireto. Se o Congresso tivesse aprovado a emenda, a votação passaria a ser universal, direta e secreta. Sem eleições diretas, Tancredo Neves recebeu o apoio dos demais governadores da oposição e, após uma ampla aliança, foi eleito presidente no colégio eleitoral em 15 de janeiro de 1985, como relata a Agência Senado.