Nonato Guedes
Médico, especialista no tratamento de câncer, natural de Pombal e integrante de uma família com tradição política na Paraíba, Antônio Carneiro Arnaud foi o primeiro prefeito eleito de João Pessoa na chamada “Nova República”, concorrendo pelo PMDB numa aliança com o esquema do então governador Wilson Braga (PFL). O mandato foi curto – estendeu-se apenas até 1988, a gestão foi tumultuada por conta de atropelos da conjuntura e de heranças dos antecessores, mas Carneiro entrou para a História e deixou marcas, tendo como principal adversário o ex-deputado Marcus Odilon Ribeiro Coutinho, já falecido, que concorreu pelo PTB com o apoio do ex-governador Tarcísio Burity. A diferença entre eles foi de cerca de 10 mil votos – Carneiro obteve 60.791 contra 50.387 atribuídos a Odilon. O vice do eleito foi o vereador João Cabral Batista, indicado pelo “braguismo”, enquanto Odilon lançou como companheiro de chapa o médico Gilvan Navarro, cunhado de Burity. Carneiro sucedeu no posto a Oswaldo Trigueiro, o último expoente da safra de “biônicos”, assim chamados os prefeitos nomeados por governadores de plantão.
As eleições diretas para governadores de Estados já haviam sido restauradas em 1982, projetando na Paraíba a vitória acachapante de Wilson Braga sobre Antônio Mariz, que concorreu pelo PMDB. O pluripartidarismo ensaiava sua temporada no cenário político brasileiro, com a despedida do regime militar, também apelidado de “longa noite dos generais”. No próprio ano de 1985, Tancredo Neves foi eleito indiretamente presidente da República no Colégio Eleitoral, derrotando Paulo Maluf, do PDS, num movimento para forçar a ampliação da reabertura política que acabou proporcionando uma anistia e a volta de líderes políticos cassados, exilados ou punidos pelo regime instaurado em março de 1964. Carneiro Arnaud foi deputado federal por duas legislaturas e, atendendo a um apelo de Tancredo, colaborou, junto com Antônio Mariz, para a fundação do PP (Partido Popular), que teve vida efêmera por causa de casuísmos impostos pela ditadura, mesmo nos seus estertores, tendo que se reincorporar, às pressas, ao PMDB, para sobreviver. Respeitado pela sua atuação à frente do Hospital Napoleão Laureano, de que ainda é diretor, e pela construção da Clínica São Camilo, Carneiro encerrou seu mandato de prefeito com dignidade e não mais disputou mandatos políticos, retomando, até hoje, suas atividades na medicina.
De postura moderada, Carneiro Arnaud procurava seguir à risca, sobretudo, os ensinamentos dos tios Ruy Carneiro, que foi senador, e Janduhy Carneiro, que foi deputado federal, e “policiava-se” para não focar a carreira nos ataques ou nas ofensas pessoais, o que lhe possibilitou um bom trânsito em segmentos distintos da política paraibana. A sua candidatura em 1985, segundo noticiado pela imprensa, na época, fazia parte de uma estratégia do ex-governador Wilson Braga para reforçar uma aliança com vistas ao pleito de 1986, no qual ele (Braga) disputaria o Senado. A pacificação durou pouco, porque o PMDB tomou outros rumos e acabou acolhendo, na undécima hora dos prazos legais em 86, o ex-governador Tarcísio Burity em seus quadros, no papel de candidato ao governo, no lugar de Humberto, que havia enfrentado problemas de saúde, foi internado em São Paulo e acabou optando por concorrer à reeleição ao Senado, sendo vencedor. Vale lembrar que as eleições de 1985 registraram, ainda, como candidatos, Carlos Gláucio, do PL, Wanderley Caixe, pelo PT, Damião Galdino, pelo PPB e Josélio Paulo Neto, pelo PDT, mas a polarização deu-se mesmo entre Carneiro e Odilon – este último ex-prefeito da cidade de Santa Rita, na região metropolitana de João Pessoa.
Quando Burity investiu-se pela segunda vez no governo, eleito que fora em 1986, a expectativa era de entrosamento entre ele e o prefeito Carneiro Arnaud, pela circunstância de estarem dividindo o mesmo metro quadrado nas hostes do PMDB, mas a convivência acabou sendo tumultuada, tanto por divergências pessoais do governador com o alcaide como porque Burity ensaiava distanciamento e até rompimento com o partido do senador Humberto Lucena, com quem travou brigas históricas refletidas em “epístolas” divulgadas na imprensa a propósito de demanda sobre empréstimos para a Paraíba que estariam sendo supostamente obstaculados no Senado Federal. Com Carneiro, o “desaguisado” se deu por conta de uma greve de transportes coletivos em João Pessoa que ameaçava instituir o caos na Capital paraibana. Burity indispôs-se com proprietários de empresas que exploravam o transporte urbano, acusou a administração municipal de “falta de pulso” para enquadrar as reivindicações por reajuste no preço das tarifas e, num ato de profunda repercussão midiática, criou a Setusa – uma empresa estatal de transporte, tendo assegurado à população que haveria ônibus em todos os pontos estratégicos de João Pessoa para deslocamento de usuários e habitantes. A medida foi considerada uma espécie de “intervenção” do governo do Estado na prefeitura, gerando mal-estar por parte de Carneiro, que ainda tentava esgotar diálogo com os donos da frota de coletivos.
Em entrevistas que concedeu, inclusive, a este repórter, tempos depois de ter deixado a prefeitura municipal de João Pessoa, o doutor Antônio Carneiro Arnaud avaliou que, apesar dos pesares, foi valiosa a experiência à frente da gestão na Capital. Não só – alegou ele – teve a oportunidade de aprofundar o conhecimento dos problemas cruciais e estruturais que ainda hoje constituem desafios para o poder público, sobretudo diante do crescimento da cidade na condição de metrópole, como porque teve a possibilidade de deixar sua marca em investimentos e obras que viabilizaram, gradualmente, transformações na paisagem territorial. Lembrou, também, que a retomada da participação popular foi um dado novo com que os gestores tiveram que lidar – hoje com mecanismos ampliados de influência na definição do próprio orçamento da prefeitura pessoense. A uma pergunta que lhe foi feita sobre possível desejo de voltar à política, Carneiro saiu-se com essa: “Graças a Deus me vacinei e a vacina fez efeito mesmo”.