Nonato Guedes
Enquanto a população do Rio Grande do Sul sofre os efeitos devastadores das enchentes que constituíram marco histórico e reflexos na própria economia nacional, os políticos procuram contaminar o debate e agravar a situação, ora com ataques recíprocos, ora com equívocos na adoção ou no encaminhamento de medidas emergenciais para fazer frente à calamidade e ao desafio maior – a reconstrução de um Estado que acumulou prejuízos materiais incalculáveis, além das perdas de vidas preciosas. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no afã de demonstrar solidariedade e empenho na solução do contencioso, abriu uma polêmica ao criar um ministério extraordinário para a Reconstrução do Rio Grande do Sul e indicar para chefiá-lo o titular da Comunicação Social do governo, Paulo Pimenta, que é filiado ao partido e cogitado para concorrer ao governo estadual nas eleições de 2026.
Na prática, independentemente de sacramentação ou não da candidatura de Pimenta, a sua nomeação para “ministro extraordinário” equivale à criação de um governo paralelo no Rio Grande do Sul, privilegiado com o repasse direto de recursos pelo governo federal para a deflagração de obras e investimentos indispensáveis na conjuntura atípica enfrentada pelo povo gaúcho. Desde que o Planalto começou a reagir à tragédia das chuvas no Sul, Pimenta divide os holofotes com o ministro Waldez Góes, da Integração e Desenvolvimento Regional, a quem o assunto, de fato, diz respeito. Em texto publicado no site “O Antagonista”, Rodolfo Borges explica que Pimenta é do Rio Grande do Sul, onde foi eleito quatro vezes deputado federal, inclusive, para a atual legislatura, e que não se pode ignorar que há meses ele figura entre os pretendentes ao Palácio Piratini em 2026.
– A pretensão eleitoral do ministro turva ainda mais a já atrapalhada reação do governo Lula à tragédia. E não apenas porque a indicação de Pimenta sugere um cálculo eleitoral, mas porque o ministro da Secom foi protagonista nessa reação atrapalhada. Coube a Pimenta, tão envolvido nos esforços federais em sua terra natal, colocar o Estado brasileiro no lugar de vítima das enchentes, ao solicitar abertura de inquérito sobre fake news sem apontar qualquer prejuízo das mentiras e meias verdades que circulam para a reação à tragédia – até agora só quem se machucou com isso foi o próprio Palácio do Planalto – analisa Rodolfo Borges. E acrescenta: “Quer dizer, o governo Lula estava no centro das preocupações do ministro da Secom desde o início da tragédia, como era de se esperar de um ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. O que exatamente estará no centro das preocupações de Pimenta, a partir de agora, como ministro da Reconstrução?”. Reservadamente, o atual governador Eduardo Leite, do PSDB, já admitiu que ficará enfraquecido na sua influência e na própria autonomia, já que prefeitos gaúchos tenderão a dialogar diretamente com Paulo Pimenta, diante do prestígio dele ou da linha direta que indiscutivelmente tem com o Palácio do Planalto numa hora difícil para a sobrevivência do Estado.
“Diante da escolha de alguém diretamente interessado nas futuras eleições estaduais, mesmo petistas ventilam reservadamente que seria melhor ter optado por um nome neutro, como o do vice-presidente da República Geraldo Alckmin, do PSB. Agora, caberia a Pimenta, no mínimo, dizer aos quatro ventos que não pretende ser candidato ao governo do Rio Grande do Sul em 2026. Difícil será convencer alguém disso, e de que os petistas não estão se aproveitando da tragédia para ganhar votos, como já fez a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco”, ressalta Rodolfo Borges. O que é lamentável é que em meio a uma conjuntura dramática e inesperada, lideranças políticas não contribuam para uma trégua na polarização que tomou conta do país desde a Era Jair Bolsonaro no confronto com o Partido dos Trabalhadores por espaços de poder. É evidente que o governo do presidente Lula tinha a obrigação de socorrer o povo gaúcho, com eficiência e agilidade, mas isto não deveria servir de pretexto para disputa política, muito menos de vitrine para pré-lançamento de candidaturas a um pleito que ainda vai se ferir dentro de mais de dois anos.
O que mais tem comovido o povo brasileiro é a mobilização de solidariedade, das gentes de todas as partes do país, com oferecimento de ajuda em diversas frentes para atenuar o sofrimento da população do Rio Grande do Sul e motivá-la a se preparar para a difícil e desafiadora reconstrução da normalidade do Estado. Os exemplos solidários que se multiplicaram nos Estados, inclusive, do Nordeste, diminuem, um pouco, o impacto do forte divisionismo que o país tem experimentado por culpa de agitações políticas-ideológicas que se radicalizam mais ainda nos períodos eleitorais propriamente ditos. A Era Bolsonaro deixou o legado da divisão do país em dois Brasis – supostamente um de direita e outro de esquerda. Mas o povo, a chamada voz rouca das ruas, cuidou de desmoralizar essa orquestração reducionista, num momento extremamente grave e inquietante como a calamidade que desabou sobre o Rio Grande do Sul. Que seja este o exemplo maior a prosperar, reacendendo esperanças da sociedade brasileira quanto a melhores dias e quanto a uma convivência mais civilizada entre os que divergem, por ser esta a verdadeira essência do regime democrático que uma minoria ensandecida tentou destruir na temporada recente. Quanto ao petista Paulo Pimenta, é produto de uma inovação politiqueira, certamente custosa para o já combalido erário brasileiro, mas que se espera que seja breve, transparente e, tanto quanto possível, profícua, nas condições de temperatura e pressão em que atuará.