Nonato Guedes
Respeitada pelas suas posições firmes, corajosas e coerentes, a ministra Cármen Lúcia está preparada para presidir pela segunda vez o Tribunal Superior Eleitoral, enfrentando desafios como os da propagação de “fake news” e das tentativas que já são ensaiadas para uso da Inteligência Artificial como recurso de marketing para deturpar a legitimidade do pleito. Ela já deu declarações sobre o dever que as “big techs” têm no asseguramento do processo democrático brasileiro e deixou claro que não só estará atenta mas proativa na tomada de providências rigorosas contra abusos que venham a ser cometidos. Analistas políticos não têm dúvidas de que a ministra Cármen Lúcia saberá enquadrar segmentos que porventura se mobilizem para manipular a consciência do eleitorado, dentro da estratégia de desequilibrar a legitimidade do processo nas urnas. Ela tem estado na linha de frente da campanha contra a descredibilização da Justiça Eleitoral, tal como agitado constantemente pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores.
Cármen foi eleita por votação simbólica como presidente do Tribunal Superior Eleitoral para o biênio 2024-2026, sucedendo ao ministro Alexandre de Moraes no comando a partir do próximo mês de junho. Estará à frente da Justiça Eleitoral nas cruciais eleições municipais deste ano, que podem adquirir foros de radicalização em alguns centros urbanos influentes do país devido ao resquício da polarização ideológica acirrada que permeou a disputa de 2022, quando Bolsonaro perdeu o posto para o líder petista Luiz Inácio Lula da Silva, tornando-se na história recente do país o primeiro presidente da República a não conseguir se reeleger. Em 2012, Cármen Lúcia tornou-se a primeira mulher na história do país a presidir a Justiça Eleitoral, liderando a instituição durante as eleições municipais daquele ano. Sua recondução ao comando da Corte, conforme analistas, demonstra a confiança depositada em sua capacidade de liderança e na sua competência para a condução dos processos eleitorais. Em sua segunda passagem pelo TSE, ela já integra o plenário desde agosto de 2020, quando tomou posse como ministra substituta. Dois anos depois, foi empossada ministra efetiva do órgão, o que a habilita ainda mais para assumir a presidência do tribunal.
Natural de Montes Claros, Minas Gerais, tem uma sólida formação acadêmica, sendo graduada pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e mestre em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Sua carreira no serviço público inclui cargos de destaque como procuradora do Estado de Minas Gerais e procuradora-geral do mesmo Estado, além da sua atuação na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Cármen Lúcia também deixou sua marca no âmbito do Supremo Tribunal Federal, tendo sido presidente da Corte no biênio 2016-2018, além de ter ocupado a presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A regulação das redes sociais, um dos seus desafios, seguirá normas já implementadas pelo tribunal para coibir a propagação de informações falsas. O ministro Kássio Nunes Marques foi escolhido como novo vice-presidente da Corte, e, com a saída de Moraes, o ministro André Mendonça ocupará a vaga de membro substituto.
A ministra ressaltou, em entrevista, a importância da fiscalização do uso da Inteligência Artificial nas campanhas eleitorais. Um outro ponto que deverá exigir vigilância redobrada da sua parte diz respeito ao cumprimento da quota reservada às mulheres para a disputa de mandatos eletivos. A norma constitucional que trata do assunto e que estabelece regras claras, transparentes, tem sido desrespeitada em processos eleitorais recentes no país por partidos políticos, que, na verdade, acabam lançando “candidaturas-laranjas”, sem respeitar o direito legítimo à participação feminina e sem repassar os recursos que, mediante a Constituição, lhe são devidos para custeio de campanhas eleitorais. A distorção é apontada como uma das causas da baixa representatividade política feminina nas esferas de poder no país. A ministra Cármen Lúcia, a propósito, já declarou que “o poder é muito machista” no Brasil e essa constatação, certamente, ocupará atenção prioritária na sua nova gestão à frente do Tribunal Superior Eleitoral.