Nonato Guedes
O economista paraibano Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda no governo de José Sarney, considera que o Partido dos Trabalhadores é detentor de um “discurso econômico arcaico” por não entender o valor do Banco Central independente e outros avanços. Em seu blog na revista “Veja”, Maílson, que é sócio da consultoria “Tendências” refere-se a um artigo do economista Joel Pinheiro da Fonseca na “Folha de São Paulo” discorrendo sobre grupos radicais de direita e esquerda que recentemente se tornaram moderados com o objetivo de entrar no jogo político. O mesmo ocorreu com partidos de esquerda criados na segunda metade do século XIX, que então professavam duas ideias radicais de Karl Marx: o acesso ao poder por uma revolução e a propriedade estatal dos meios de opinião. Mudaram de opinião – o poder foi buscado pelo voto popular, e aderiram à ideia da economia de mercado sob regulação do Estado.
Maílson endossa: “Dois casos são interessantes: Espanha e Reino Unido. O Partido Socialista Operário Espanhol, liderado por Felipe González, alterou os estatutos para abolir a regra sobre estatização dos meios de produção. No governo, após uma vitória histórica nas eleições gerais de 1982, González promoveu reformas estruturais que asseguraram o ingresso do país na União Europeia, controlou o déficit e garantiu a independência do Banco Central. No Reino Unido, o Partido Trabalhista, no famoso artigo quarto do programa, advogou o controle das estatais e dos meios de produção. Assumiu o governo no pós-guerra mas os erros de política econômica propiciaram a vitória esmagadora de Margareth Thatcher em 1979. Os trabalhistas foram alijados do poder por 18 anos, o que os convenceu da necessidade de abandonarem ideias arcaicas. Seu líder, Tony Blair, conseguiu revogar o artigo quarto e adotou medidas liberalizantes que tiveram forte influência na grande vitória do Partido Trabalhista britânica nas eleições gerais de 1997”.
No Brasil, ressalta o ex-ministro, o Partido dos Trabalhadores nunca defendeu a ditadura do proletariado, tendo preferido chegar ao poder pelo voto popular. “Não adotou, todavia, a visão da esquerda europeia na área econômica. Aferra-se a ideias econômicas equivocadas e não entende o valor da independência do Banco Central. Acredita que o gasto público é o que impulsiona o crescimento e não a produtividade. Demanda aumentos reais irrestritos do salário mínimo, sem notar seus danosos efeitos na Previdência (dois terços dos benefícios são reajustados pelo mínimo). Em dez anos, os custos acumulados dessa política pública eliminarão todos os ganhos da reforma previdenciária de 2019. Seu maior líder, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, deseduca a sociedade em questões fiscais básicas. Vive a propagar uma diferença inexistente entre gastos e investimentos como os da educação. Na verdade, ambos consomem recursos escassos. Critica os que o alertam para o abismo e recentemente declarou que a discussão sobre déficit público, que se trava no Brasil, não existe em outros países. Isso é verdade, mas não pelo motivo que imagina o presidente. Nos países que levam a sério o Orçamento, o que não é o nosso caso, esse assunto está pacificado. Ninguém questiona a necessidade de controlar o déficit”, acrescenta Maílson. E arrematou: “O PT e o país ganhariam se Lula e o partido modernizassem seu pensamento econômico”.
Em artigo anterior, veiculado no seu blog, Maílson da Nóbrega alertou para estudos que indicam que a economia e a sociedade se beneficiam da independência do Banco Central, entendimento que se firmou dos anos 1980 em diante. ”Provou-se que taxas elevadas de inflação costumavam nascer de medidas para forçar o BC a reduzir a taxa básica de juros (no caso do Brasil, a Selic)”, comentou, explicando que a taxa básica é um instrumento poderoso que serve tanto para enfrentar surtos inflacionários quanto para ampliar a liquidez em certos momentos, como se verificou na crise financeira de 2008 e na pandemia de covid-19, quando seus respectivos custos foram minimizados. Adverte o ex-ministro que líderes populistas podem lançar mão desse instrumento para a expansão inflacionária da atividade econômica, o que gera incertezas, inflação e queda do potencial de crescimento. Foi aí que Maílson referiu-se ao recente estudo publicado pelo FMI apontando os custos econômicos e sociais resultantes de um BC independente. E lembrou que “a velha esquerda ainda resiste à ideia, uma prova adicional da incapacidade de modernizar seu pensamento e de aprender com políticas públicas bem-sucedidas, vindo daí, ao que parece, os ataques pessoais ao presidente do BC, tratado como “esse cidadão” e acusado de “não entender o Brasil”.
De acordo com o economista paraibano, o Banco Central no Brasil nasceu em 1965 como uma área para prover crédito em favor da agricultura, da indústria e das exportações, o que acarretou pressões inflacionárias. Essa contradição desapareceu com as reformas realizadas em 1986 e 1987 – desde então, o BC adquiriu paulatinamente as funções básicas de um banco central moderno, quais sejam, cuidar da estabilidade da moeda e do sistema financeiro. A independência formal só viria, entretanto, em 2021 – entre os países relevantes da América Latina, o Brasil foi o último a dar esse passo concreto. No fecho das suas considerações em defesa da independência do Banco Central, Maílson argumenta que o BC do Brasil foi eleito recentemente o melhor do mundo. E teoriza: “Dificilmente a notícia teve a repercussão devida entre os incapazes de aprender e entender como funciona essa instituição. Quem sabe, nas próximas gerações?”