Nonato Guedes
O senador Humberto Costa, do PT-PE, deu uma “invertida” no deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que qualificou o Nordeste como a pior região do país. Costa declarou que a família do ex-presidente Jair Bolsonaro enxerga a Região de forma pejorativa por causa do resultado eleitoral alcançado entre os eleitores nordestinos. “Aqui, fascista, golpista, miliciano e genocida não têm vez. É por isso que o Nordeste os derrotou em 2018 e 2022 e derrotará todas as vezes em que ousarem tentar”. Na quinta, 30, Eduardo compartilhou em seu perfil no Instagram uma resposta a um usuário que escreveu: “Direita no Nordeste nunca mais”. Reagiu e disse que o Nordeste continuaria a ser a pior região do país.
Acrescentou que a região está fadada a ter maiores índices de criminalidade e índices negativos na educação. “Depois não venham reclamar”, acrescentou, referindo-se ao apoio dado pela maioria do eleitorado nordestino ao PT e ao seu líder maior, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que aqui tem origens. A fala do filho de Bolsonaro ignora, propositadamente, e de má fé, que o terceiro governo de Lula tem tido uma visão espacial do país, contemplando demandas de todas as regiões que chegam aos gabinetes do Planalto. Ainda agora, diante da calamidade das enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul, o governo agiu com rapidez e eficácia, liberando recursos para a reconstrução do Estado e mobilizando os ministérios estratégicos para equacionar necessidades prementes, à luz do diagnóstico sobre a extensão dos danos causados pela situação de emergência. O próprio presidente Lula foi ao território gaúcho e, superando divergências com o governador Eduardo Leite, do PSDB, determinou parcerias para viabilizar o socorro a desabrigados e para colaborar na reconstrução do Rio Grande do Sul.
A orquestração desencadeada por um expoente do “clã” Bolsonaro contra o Nordeste fere a lógica dos manuais políticos que recomendam aos líderes que procurem se capitalizar junto a eleitores que lhe são hostis ou indiferentes. Mas acaba reproduzindo a tônica do discurso bolsonarista centrada na tentativa de desqualificar o Nordeste como um suposto peso negativo para o Brasil, situando-a como espécie de região sanguessuga que muito pede ao governo central e pouco oferece em termos de contrapartida. Isto é fruto de uma análise equivocada e ultrapassada, que consistia em listar o Nordeste como “pedinte”, por falta de condições para promover o seu próprio desenvolvimento. Tal concepção alimentou durante muito tempo, em governos do regime militar, a mais odiosa discriminação já perpetrada contra uma região com vastas potencialidades e com perspectivas infinitas de crescimento, com reflexos no incremento da própria economia nacional e no saldo do Produto Interno Bruto.
De há muito que o Nordeste alforriou-se da dependência ao coronelismo político, oligárquico e predatório que vicejou por décadas, afastando investidores do Brasil e do exterior e traduzindo uma visão caricata, injusta e segregacionista do povo desta região. Essa ‘revolução’ começou pelo Estado do Ceará, onde grupos hegemônicos conservadores foram varridos do poder e a própria realidade experimentou transformações sinalizando para a modernidade e para a reciclagem das elites dirigentes. O fenômeno começou a se espalhar por outros Estados, que passaram a investir na exploração de suas riquezas e na redução da dependência a Brasília. Atualmente o cenário aponta para inúmeros “nichos” de progresso em setores até então inexplorados, como o das energias renováveis, proporcionando emancipação dos grupos econômicos locais e oferecendo aos governos estaduais abertura de novos empreendimentos focados na geração de emprego e renda. O Nordeste, também, aprendeu, finalmente, a conviver com o fenômeno da seca, preparando-se para manter a economia resistente nos períodos cruciais que afetam o Polígono do Semi-árido. As políticas públicas são mais visíveis do ponto de vista do enfoque da desconcentração da renda, o que significa guinada espetacular no modelo que perdurou por décadas.
A criação, pelos governos locais, de um Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Auto-Sustentável do Nordeste entra nesse contexto como uma resposta audaciosa do poder público regional como estratégia independente de sobrevivência, tendo sido fonte inspiradora para Consórcios de outras regiões que se agregam para defender suas próprias prioridades e necessidades. O Consórcio Nordeste surgiu exatamente no único governo de Jair Bolsonaro e demonstrou autonomia que surpreendeu e irritou o governante de plantão por ser encarado como um organismo concorrente perante o governo federal, desafiando senhores de baraço e cutelo acostumados a monopolizar o orçamento e ajustá-lo às suas ambições eleitoreiras. O ex-presidente Bolsonaro passou recibo do desconforto com a mobilização dos governadores no âmbito do Consórcio Nordeste porque foi chamado a dividir espaços de poder e de protagonismo no cenário nacional. A atuação do Consórcio na pandemia de covid-19 foi um contraponto valioso à inércia do governo passado, que, fiel à cartilha negacionista, desafiava a Ciência e atrasava a aquisição de vacinas, o que provocou perdas incalculáveis para o Brasil no ranking das estatísticas mundiais. O novo Nordeste é uma realidade irreversível – e é isto que o bolsonarismo não aceita,pela perda cada vez maior de espaços de influência e decisão a que está condenado.