Nonato Guedes
O combate às fake news nas eleições, que foi uma tônica na gestão de Alexandre de Moraes, deve continuar sendo uma prioridade do Tribunal Superior Eleitoral-TSE na gestão da ministra Cármen Lúcia, que ontem tomou posse pela segunda vez na presidência da Corte, mas agora há uma atenção especial para o uso da IA (Inteligência Artificial) no processo eleitoral. Como lembra uma reportagem do UOL, Cármen já tem dialogado com grandes empresas de tecnologia, as big techs, e vinha evitando falar em público sobre o assunto para não parecer atravessar a gestão de Moraes. Os temas estão no radar de Cármen, que considera importante qualificar os juízes eleitorais para enfrentar usos cada vez mais sofisticados de IA, comprometendo a legitimidade que deve ter o processo de consulta popular no regime democrático.
Como vice-presidente da instituição, Cármen Lúcia foi relatora de 12 resoluções que disciplinam as regras que valerão para a eleição deste ano. Entre elas, está uma que prevê a responsabilização de big techs por fake news. A medida foi considerada uma forma de regulamentar a atuação das empresas e ocorre em meio à falta de regulamentação por parte do Congresso e de uma decisão clara do STF sobre o tema. A norma fez o Google proibir anúncios políticos. A proposta prevê responsabilização de plataformas que não retirarem imediatamente conteúdos considerados como desinformação ou com discurso de ódio, racismo, homofobia, entre outros de teor antidemocrático, inclusive conteúdos de cunho político-eleitoral. O Google entendeu que se tratava de uma proposta de difícil cumprimento, com um conceito muito amplo, e resolveu proibir os anúncios na plataforma. Neste ano, as eleições serão para escolher os prefeitos e vereadores de municípios de todo o país. Nestes casos, a maior parte da atuação da Justiça Eleitoral se dá pelos juízes de primeira instância e pelos Tribunais Regionais Eleitorais de cada Estado. Ainda assim, cabe ao TSE estabelecer regras.
A própria totalização dos votos de todo o país será feita pelo TSE em sua sede, em Brasília. A partir da totalização, o tribunal encaminhará aos tribunais regionais eleitorais para divulgação, a partir de seus sistemas, os resultados das disputas em cada município. “A ministra Cármen Lúcia foi a primeira mulher a assumir o cargo de presidente do TSE nas eleições de 2012, e entra novamente para a história ao ser a primeira a presidir a Corte pela segunda vez. A ocupação deste espaço de poder por uma magistrada, com um legado em prol dos direitos das mulheres, dará voz à nossa luta”, afirma Ezikelly Barros, professora de pós-graduação em Direito Eleitoral da UERJ, enquanto Raquel Ramos Machado, professora de Direito Eleitoral e de Teoria Democrática da UFC complementa: “A ministra tem uma ação protetora da atuação das mulheres por que sabe dos desafios que elas enfrentam. Certamente ela levará estes desafios, seja na atuação administrativa, seja na tomada de decisões. Outro aspecto é que a ministra Cármen Lúcia é uma julgadora muito preocupada com o desenvolvimento da democracia participativa, ou seja, com a ampla participação da sociedade no diálogo democrático e na tomada de decisões”. Cármen deve dar continuidade também ao trabalho de Moraes sobre cotas de gênero nas eleições. O TSE editou uma súmula para orientar como a Justiça Eleitoral deve lidar com os casos de candidaturas laranjas femininas.
No que diz respeito ao uso da Inteligência Artificial, a Agência Senado informa que o Plenário da Casa deve votar no dia 12 de junho o projeto de lei que regulamenta a IA. O relator da matéria na Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial, senador Eduardo Gomes, do PL-TO, deve apresentar uma nova versão do relatório já amanhã, e no dia 10 o Plenário deve promover uma sessão de debates sobre o PL 2.338/2023. Segundo o relator, os responsáveis pela disseminação de conteúdos geridos por meio de inteligência artificial precisam ser submetidos a um “processo de validação”. Ele explica: “Até por uma questão de combate às fake news e a desinformação, temos que passar por esse processo de validação. É preciso que aquele que faça a divulgação do conteúdo tenha a capacidade de mostrar a origem, a identificação. A gente não vai conseguir escapar disso. O anonimato contribui para o ambiente livre e aberto das redes sociais, mas isso tem um limite. Acho que em determinadas ferramentas, a gente não vai conseguir escapar de uma validação: quem for responsável por um conteúdo, tem que se identificar para que você possa exercer seus direitos”.
Um outro ponto destacado na trajetória da ministra Cármen Lúcia é a tentativa constante de trazer a sociedade para o debate de temas polêmicos e de interesse geral. É o que reforça a professora Raquel Ramos Machado: “Esse perfil de abertura à sociedade por parte da ministra também será notado como presidente do TSE”. O ineditismo da situação, com a ascensão de Cármen ao comando do TSE pela segunda vez, bem como seu histórico de defesa das pautas das mulheres em suas atuações no Supremo Tribunal Federal e no Conselho Nacional de Justiça – CNJ, fazem especialistas preverem uma atenção maior de Cármen à equiparidade de gênero no cenário eleitoral em sua gestão. Ela adotará um estilo combativo se assim for necessário, agindo com competência e maturidade na tomada de decisões cruciais.