Nonato Guedes
Em seu blog na revista “Veja”, o economista paraibano Maílson da Nóbrega, que foi ministro da Fazenda no governo de José Sarney, contestou declarações do ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, de que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva acabou com a “farra fiscal” implementada na gestão de Jair Bolsonaro (PL). Numa entrevista na segunda-feira, Padilha revelou que, ao contrário do que se diz, o atual governo prima pela responsabilidade fiscal e pelo cumprimento de seus deveres e encargos. O ministro reagia à percepção do mercado, de piora da situação fiscal, o que tem acarretado alta dos juros futuros, dólar mais caro e revisões das projeções sobre a trajetória da inflação. Tudo isso tem contribuído para desancorar as expectativas, o que provavelmente levará o Conselho de Política Monetária do Banco Central a manter a taxa Selic de 10,5%.
Maílson da Nóbrega comenta, a propósito do assunto:
– Chame-se de farra ou não, os gastos federais aumentaram mais no governo do presidente Lula. Bolsonaro, é verdade, adotou, nos meses anteriores às eleições presidenciais de 2022, várias medidas populistas para turbinar a sua popularidade e assegurar uma provável reeleição. Uma delas mais do que triplicou o valor dos benefícios do programa Auxílio Brasil, como ele rebatizou o Bolsa Família, cujo valor passou para 600 reais (antes, era de 190 reais). Outra foi a redução compulsória do ICMS, um tributo estadual, sobre gasolina, diesel e gás de cozinha. Finalmente, o calote nos precatórios, estabelecendo o pagamento de apenas uma parte anual dessas obrigações. O valor final seria pago em 2027.
Para o ex-ministro da Fazenda, “na realidade, o governo Lula manteve o valor de 600 reais para o Bolsa Família e criou um auxílio adicional de 150 reais por criança de famílias beneficiadas com o programa”. Observa que ainda no período de transição, antes de assumir o cargo pela terceira vez, o líder petista propôs, e o Congresso Nacional aprovou, a PEC da Transição, que acarretou gastos adicionais de 15 bilhões de reais, a serem despendidos em dois anos, os quais não foram considerados no teto de gastos. – É preciso reconhecer que a excessiva rigidez orçamentária poderia criar dificuldades intransponíveis para a gestão do governo, mas isso não permite imaginar que a medida tenha sido neutra para a situação fiscal do país – argumenta Maílson da Nóbrega.
Para o economista paraibano, sócio da Tendências Consultoria, o melhor indicador para avaliar a postura fiscal dos governos de Bolsonaro e de Lula é o resultado primário estrutural calculado pela Instituição Fiscal Independente, IFI, o qual não computa eventuais efeitos transitórios e choques imprevisíveis de curto prazo. “Olhado por esse ângulo, o período Bolsonaro é, em termos fiscais, inequivocamente melhor do que o do primeiro ano de Lula. Com populismo e tudo, nos dois últimos anos de Bolsonaro (período melhor para a comparação, pois exclui os gastos com a pandemia de covid-19), o resultado primário dos gastos federais exibiu superávits de 0,58% do PIB em 2021 e de 0,19 do PIB em 2022. No primeiro ano de Lula, enquanto isso, houve um déficit de 1,65% do PIB.
Maílson da Nóbrega conclui seu raciocínio asseverando:
– O ministro Alexandre Padilha pode recorrer a muitas outras comparações que apontam resultados melhores para Lula, incluindo a retomada de políticas ambientais responsáveis, o abandono do negacionismo e o isolamento internacional. No confronto fiscal, todavia, o ganhador é Bolsonaro. O ministro buscou acalmar o mercado financeiro, o que não conseguiu, principalmente porque seus economistas especializados em contas públicas se conectam mais com a realidade dos números do que com a retórica. No exato momento em que este texto era escrito, a Bolsa caía, os juros futuros subiam e o dólar tinha passado de 5,40 reais.
De lá para cá, evidentemente, houve oscilações, dentro da lógica da gangorra do mercado. Ainda assim, o ex-ministro Maílson da Nóbrega avalia que o governo do presidente Lula não está numa posição tão satisfatória no que diz respeito ao ajuste fiscal que tanto tem perseguido para equilibrar a economia do país.