Nonato Guedes
Acabou a novela sobre a definição de candidatura do Partido dos Trabalhadores a prefeito de João Pessoa nas eleições de outubro. Sem qualquer surpresa, o Grupo de Trabalho Eleitoral do PT, reunido ontem, escolheu o nome do deputado estadual Luciano Cartaxo como pré-candidato, devendo a homologação ser oficializada na próxima terça-feira durante reunião da Executiva nacional da sigla. Cartaxo tinha o apoio de líderes como o ex-governador Ricardo Coutinho e o deputado federal Luiz Couto e venceu a queda-de-braço interna com duas alas petistas – uma das quais defendia o nome da deputada Cida Ramos e outra pregava aliança com a candidatura do prefeito Cícero Lucena (PP) à reeleição. Cida chegou a garantir apoios junto a movimentos setoriais de base do PT, mas Cartaxo foi mais rápido e eficiente na articulação de bastidores junto a expoentes da cúpula, sensibilizando até líderes nacionais do partido.
O argumento utilizado pelo deputado Luciano Cartaxo foi o de que supostamente teria maior densidade eleitoral para concorrer dentro do PT, devido ao “recall” das duas administrações consecutivas que empalmou à frente da prefeitura de João Pessoa até 2020. A autossuficiência de Cartaxo levou-o a desprezar a participação em prévias internas no partido, que acabaram sendo canceladas pelo Grupo de Trabalho presidido pelo senador Humberto Costa (PE). Quando Cida Ramos já sinalizava batida em retirada do páreo, o PT nacional adotou o critério da realização de pesquisas internas para avaliação de preferências. O que se sabe sobre as pesquisas é que foram feitas e que seus percentuais estão de posse da Executiva Nacional, mas o resultado não vazou para direções estadual e municipal do PT em João Pessoa, que, aliás, não foram consultadas em nenhum momento sobre o processo, sendo apenas comunicadas ou, então, informadas por terceiros sobre as deliberações nacionais de cúpula, conforme se queixaram os dirigentes Marcos Túlio (municipal) e Jackson Macedo (estadual).
A deputada Cida Ramos foi a grande sacrificada no contexto, pois não teve oportunidade de se fazer ouvir e respeitar nas suas ponderações e ainda enfrentou insinuações de falta de identidade com o PT, tendo rebatido com a alegação de que tinha mais afinidade do que Cartaxo, que rompeu com o partido em episódios de repercussão como o escândalo do mensalão por se sentir desconfortável na companhia dos petistas. Luciano acabou migrando para siglas como o PSD e o PV, de feições conservadoras na Paraíba, e fez o caminho de volta ao PT, por oportunismo, ao pressentir a iminência de retorno do líder Luiz Inácio Lula da Silva aos comandos nacionais de poder, incluindo a própria Presidência da República, o que se confirmou nas eleições contra Jair Bolsonaro em 2022. Cartaxo obteve votação sofrível para a Assembleia Legislativa após deixar a prefeitura e não conseguiu eleger a sucessora, a concunhada Edilma Freire, ex-secretária de Educação do município, que sequer avançou para o segundo turno em 2020, disputado acirradamente entre Cícero Lucena e o comunicador Nilvan Ferreira, na época no PL.
Ao retornar aos quadros do PT, Luciano Cartaxo passou a concentrar seu discurso como deputado no auto-elogio das duas administrações que enfeixou em João Pessoa e, no contraponto, na crítica à terceira administração de Cícero Lucena, em que não identificou pontos inovadores mais significativos para melhorar a qualidade de vida da população pessoense. A obstinação em voltar a ser candidato a prefeito fez Cartaxo reaproximar-se em alto estilo do ex-governador Ricardo Coutinho, que o criticou no passado recente. Ricardo, também, foi o mentor de duas candidaturas femininas à prefeitura contra Luciano Cartaxo – em 2012, com Estelizabel Bezerra, e em 2016 com a própria Cida Ramos. Todos estavam, então, militando nos quadros do PSB, mas se anteciparam as Cartaxo no retorno às hostes petistas. Em 2020, Ricardo Coutinho concorreu à prefeitura de João Pessoa mas não avançou para o segundo turno, e em 2022 disputou o Senado, ficando em terceiro lugar. Neste páreo, teve o apoio declarado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que sempre manifestou gratidão a Coutinho por gestos de solidariedade em momentos difíceis.
A decisão do PT sobre o nome para representar candidatura própria em João Pessoa em 2024 constituiu um verdadeiro parto laborioso, com vai-e-vem de decisões de cúpula e seguidas manobras que configuravam uma espécie de “intervenção branca” no processo. A deputada Cida Ramos chegou a se queixar de discriminação odiosa dentro do próprio Partido dos Trabalhadores e acusou o deputado Luciano Cartaxo de praticar violência de gênero contra ela. A demora na definição comprometeu o processo de formação de uma chapa competitiva às eleições proporcionais (Câmara Municipal) e dificultou a construção de alianças importantes por parte do PT no campo da esquerda. No papel de ungido, Luciano Cartaxo já ensaia movimentos para correr atrás do tempo perdido, tendo, ainda, pela frente, o desafio de reunificar a militância interna para a competição eleitoral. O PT sai desgastado e enfraquecido do processo de autofagia que vivenciou até o anúncio do que já se sabia – a preferência pelo nome de Luciano Cartaxo para ser o candidato.