Nonato Guedes
O Plano Real completou, ontem, três décadas, com a moeda em plena vitalidade no mercado brasileiro e no cenário internacional. Em primeiro de julho de 1994, no governo do então presidente Itamar Franco, o real entrou em circulação para substituir o cruzeiro real. A nova moeda prometia combater a hiperinflação do Brasil, que estava em quase 3.000% ao ano (a inflação oficial do país ficou em 4,6% em 2023). O Plano Real, idealizado pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso e equipe, projetou o sociólogo no plano político e o guindou à Presidência da República, com direito à reeleição em 1998. Foi considerado um dos planos mais inovadores da economia mundial e visou, além de combater a hiperinflação, estabilizar a economia brasileira. Uma aposta arriscada, que envolveu uma espécie de engenharia social para desindexar a inflação, após sucessivos planos econômicos fracassados. Os especialistas questionam qual será o futuro da moeda tendo em vista um maior crescimento da economia.
O real veio após uma sucessão de planos frustrados, incluindo aquele do governo Fernando Collor de Mello, que instituiu o confisco das poupanças, numa medida impopular e inacreditável. Nos oito anos anteriores ao Plano Real, o país teve quatro moedas diferentes – cruzeiro (CR$), cruzado novo (NCz$) e cruzeiro real (CR$). Antes de chegar às mãos e aos bolsos da população brasileira, o real foi inserido aos poucos com a ajuda de uma quase moeda, a Unidade Real de Valor (URV), que foi criada quatro meses antes, em fevereiro. Esse embrião do real acabou sendo usado, exclusivamente, como padrão de valor monetário, ou seja, como unidade de conta que estabelecia os valores dos produtos e serviços no país. À época, o então presidente Itamar Franco remanejou Fernando Henrique do Ministério das Relações Exteriores para o da Fazenda. Antes de Fernando Henrique, o presidente Itamar teve três diferentes ministros da Fazenda. Um dos motivos para a escolha de FHC para assumir o combate ao descontrole inflacionário foi o seu bom trânsito político, dado que ele era senador licenciado.
Mas o Plano Real enfrentou resistências na própria classe política que apoiava o governo e dentro do círculo influente junto ao presidente Itamar Franco. Para explicar o funcionamento do Plano e como os salários seriam beneficiados, FHC deu várias entrevistas à imprensa e, em março, chegou a participar do Programa Sílvio Santos, o mais popular da época na televisão. A Agência Brasil relembra que em meio a tantos indicadores criados para corrigir preços e salários, a equipe do governo Itamar recorreu ao superindexador, a URV e que, por três meses, todos os preços e salários foram discriminados em cruzeiros reais e em URV, cuja cotação variava diariamente e era mais ou menos atrelada ao dólar. Até o dia da criação do real, em que R$ 1 valia 1 URV, que, por sua vez, valia 2.750 cruzeiros reais. O economista Pérsio Arida, um dos pais do Plano Real, disse em entrevista: “Há uma expressão popular ótima, que é o engenheiro de obra feita. Depois que fez, dizia: “Ah, bom, devia ter feito assim”. Mas durante o processo, vale lembrar, foi um processo extraordinariamente arriscado, difícil, com percalços, podia ter dado errado em vários momentos”.
Ao indexar toda a economia, a URV conseguiu realinhar o que os economistas chamam de preços relativos, que medem a quantidade de itens de bens e de serviços distintos, que uma mesma quantia consegue comprar. Aliado a um câmbio fixo, no primeiro momento, e a juros altos para atrair capital externo, o Plano deu certo. Em junho de 1994, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) atingido 47,43%. O indicador caiu para 6,84% no mês seguinte e apenas 1,71% em dezembro de 1994. Batizado de Plano Larida, em homenagem aos economistas André Lara Resende e Pérsio Arida, a ideia de uma moeda indexada atrelada à moeda oficial foi apresentada pela primeira vez em 1984. Em vez de simplesmente cortar gastos públicos para segurar a inflação, como preconiza a teoria econômica ortodoxa, o Plano Larida foi parcialmente inspirado numa experiência heterodoxa em Israel no início dos anos 1980. No país do Oriente Médio, os preços e os salários foram temporariamente congelados para eliminar a inércia inflacionária, pela qual a inflação passada alimenta a inflação futura. Posteriormente, foi feito um pacto social para aumentar os preços o mínimo possível e o congelamento foi retirado, reduzindo a inflação israelense.
Uma ideia semelhante chegou a prosperar no Plano Cruzado, em 1986, durante o governo José Sarney. A estabilização, no entanto, conforme a Agência Brasil, naufragou porque o congelamento estendeu-se mais do que o esperado e, temendo repercussões nas eleições parlamentares daquele ano, a primeira pós-ditadura, o governo Sarney não implementou medidas de controle monetário (juros altos) e fiscal (saneamento das contas públicas). Na época, não existia a Secretaria do Tesouro Nacional para centralizar as contas do governo, e os gastos públicos eram parcialmente financiados pelo Banco Central e pelo Banco do Brasil. O sucesso do Plano Real, no entanto, não se deve apenas à URV. Num momento raro de consenso político e de cansaço com a hiperinflação, o Congresso Nacional foi importante para aprovar medidas que saneavam as contas públicas. Uma delas, a criação do Fundo Social de Emergência, que desvinculou parte das receitas do governo e flexibilizou a execução do Orçamento ainda no segundo semestre de 1993.