Nonato Guedes
Entre os analistas políticos paraibanos é consenso que o ex-governador Ricardo Coutinho foi o artífice maior da “sagração” do deputado estadual Luciano Cartaxo como candidato do Partido dos Trabalhadores à prefeitura de João Pessoa. O nome de Cartaxo foi ungido, ontem, pela Executiva Nacional do PT, como já esperado depois que a cúpula nacional do partido interferiu abertamente no processo na Capital paraibana. A articulação de bastidores empreendida por Coutinho junto à presidente nacional Gleisi Hoffmann e o senador Humberto Costa, presidente do Grupo de Trabalho Eleitoral, foi decisiva, inclusive, para que diretrizes estatutárias fossem ignoradas, a exemplo da realização de prévias internas para aferir favoritismo ou preferência. As prévias foram canceladas “in limine” pelo senador Humberto Costa, de Pernambuco, sem maiores explicações, prejudicando sensivelmente a deputada estadual Cida Ramos, que havia sido inscrita com o apoio da maioria das tendências locais petistas e de movimentos setoriais do partido.
O ex-governador praticamente “tratorou” as pretensões de Cida ou de outros eventuais postulantes nas fileiras do petismo, valendo-se do seu prestígio pessoal com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que sempre lhe foi grato pela solidariedade externada por Ricardo quando da prisão do então ex-mandatário e por ocasião do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Tal gratidão foi manifestada de forma enfática em 2020, quando Lula defendeu apoio à candidatura de Ricardo a prefeito, mesmo ele estando filiado ao PSB, e concorrendo contra o candidato próprio lançado pelo PT, deputado estadual Anísio Maia, que obteve ínfima votação. Em 2022, Lula renovou seu sentimento de deferência para com Ricardo, pedindo votos para ele ao Senado, mesmo estando no páreo, pelo PSB, a deputada Pollyanna Dutra, que ganhou projeção como “lulista” assumida. Nas duas oportunidades, o ex-governador colheu insucessos – a esta altura, estava desgastado com as versões de envolvimento na Operação Calvário, deflagrada pelo Ministério Público-Polícia Federal para apurar um esquema de desvio de recursos das áreas da Saúde e da Educação na gestão de Coutinho-governador.
Os revezes consecutivos colecionados por Ricardo e incorporados ao seu currículo não foram suficientes para queimá-lo junto à cúpula nacional petista, muito menos no conceito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O ex-governador optou, como estratégia, por residir em Brasília, onde sua mulher, Amanda Rodrigues, foi contemplada com um cargo no âmbito do Ministério da Saúde. Da Capital Federal, Coutinho passou a monitorar a realidade política da Paraíba, sempre na perspectiva de dificultar o governo de João Azevêdo, com quem rompeu logo após a vitória deste em 2018, não sendo inteiramente bem-sucedido nessa tática por razões óbvias. Mas atribui-se a Coutinho a movimentação para evitar que Lula visitasse com frequência a Paraíba, resultando que em apenas uma ocasião o presidente da República pisou em solo paraibano neste terceiro mandato, prestigiando evento da iniciativa privada no Vale do Sabugy que contava com aporte de recursos federais. O governador João Azevêdo, eleitor declarado de Lula e primeiro governador do Nordeste a declarar-lhe apoio, tem se contentado com audiências com Lula fora da Paraíba e com vindas de ministros, numa demonstração de que o Planalto não discrimina o Estado.
No caso da “sagração” de Luciano Cartaxo como candidato do Partido dos Trabalhadores a prefeito de João Pessoa este ano, Ricardo Coutinho protagonizou reaproximação política com um ex-adversário, que, no entanto, já havia militado ao seu lado nas hostes do PT nos primórdios da fundação da agremiação na Paraíba. A afinidade entre Ricardo e Luciano é tão estreita que em algumas rodas cogita-se a indicação da mulher do ex-governador para candidata a vice na chapa puro-sangue que o PT deverá lançar às eleições de João Pessoa na versão 2024. De concreto, a imposição do nome de Luciano sem qualquer debate interno atropelou o poder de comando dos dirigentes estadual e municipal do PT, Jackson Macedo e Marcos Túlio, que, ainda ontem, criticaram a “imposição”, definindo-a como “um erro público”. No entorno de Ricardo mobilizaram-se ainda pela confirmação do nome de Cartaxo o deputado federal Luiz Couto, histórico da legenda, e a ex-deputada Estelizabel Bezerra, que quer ser candidata a vereadora na Capital.
Jackson Macêdo e Marcos Túlio enfatizaram no documento: “A imposição de uma candidatura que não respeita as regras e as instâncias locais do PT, sem diálogo com a esquerda e os setores progressistas, não será capaz de unificar o PT em João Pessoa, muito menos empolgar a militância e aqueles que têm a esquerda e o Governo Lula como referências”. Em termos concretos, os dois dirigentes partidários estão exercitando o chamado “jus esperneandi” porque não ignoravam, há algum tempo, que as manobras de cúpula convergiam para o desideratum. Jackson Macedo defendia, ostensivamente, uma aliança em apoio à candidatura do prefeito Cícero Lucena (PP) à reeleição. Há quem diga que foi a partir dessa manifestação que Ricardo Coutinho ensaiou toda a orquestração que culminou no carimbo da Executiva à candidatura de Luciano Cartaxo. O desafio será superar resistências e agregar votos para ir ao segundo turno e conquistar a prefeitura.