Nonato Guedes
A caixinha de surpresas na corrida eleitoral este ano à presidência dos Estados Unidos produziu um segundo fato de grande impacto depois dos tiros disparados contra o candidato republicano Donald Trump. A desistência do atual presidente Joe Biden, democrata, em concorrer à reeleição, constitui gesto inédito no histórico das campanhas eleitorais americanas, mas de certa forma estava na lógica do enredo desde que a candidatura do mandatário passou a ser questionada pelos próprios aliados e financiadores, devido a sinais visíveis de confusão mental e de falta de coordenação que ele vinha apresentando ostensivamente. O golpe de misericórdia foi a sua participação num debate com Trump, em que confundiu nomes, situações, datas e demonstrou uma postura de absoluta insegurança. Com a sua saída, eleições recomeçam do zero, e a troca vira uma dor de cabeça para o fanfarrão Trump, apesar dele não perder a pose e bradar aos quatro cantos que a vitória está no papo.
Joe Biden havia dito que só desistiria a pedido do “Senhor Todo Poderoso” mas não resistiu às pressões para se afastar do páreo, comandadas por parlamentares democratas que temem uma derrota nas eleições legislativas com um presidente da República enfraquecido. Ascende ao pódio com mais força, e com o endosso do próprio Biden, a vice-presidente Kamala Harris, que é filha de imigrantes e que tem um currículo elogiável, tanto na academia como na política. Na fila estão outros pretendentes, mas há uma sinalização pró Kamala Harris, que já se declarou pronta para assumir os graves desafios pela frente. Ela demonstra ter consciência de que o cenário fica tumultuado com a saída de Biden, que não obstante, não renunciou à presidência. Quando eclodiram as especulações sobre senilidade do presidente democrata, o sinal de alarme acendeu nas hostes democratas. Afinal, estava em jogo a capacidade física e mental de Joe Biden em continuar dirigindo os destinos de uma das maiores potências do mundo. Ele resignou-se diante do rolo compressor, que foi engrossado por jornalistas de expressão, com a análise de que Biden não estaria apto para a batalha da reeleição.
Na carta em que se despediu da candidatura, Biden afirmou: “Ofereço todo o meu apoio e endosso para que Kamala seja a indicada do nosso partido este ano. Democratas! É hora de nos unirmos e derrotarmos Trump. Vamos fazer isso”. Acrescentou que escolher Kamala Harris como sua companheira de chapa em 2020 “foi a melhor decisão que tomei”. De acordo com Biden, “embora tenha sido a minha intenção buscar a reeleição, acredito que é do interesse do meu partido e do país renunciar e me concentrar exclusivamente no cumprimento dos meus deveres como presidente durante o resto do meu prazo”. O apoio e a recomendação do nome de Kamala Barris por Biden não significa aprovação democrata dentro do Partido, que ainda vai se reunir para definir consensos e, ao mesmo tempo, estabelecer regras no tocante a uma virtual disputa interna pela vaga de Joe Biden. O presidente havia sido escolhido em prévia para concorrer contra Donald Trump, mas pesou sensivelmente o questionamento sobre a capacidade dele para um novo mandato diante do desempenho no último debate.
Na carta publicada no X (antigo Twitter), Biden observou: “Nos últimos três anos e meio fizemos grandes progressos como Nação. Hoje, a América tem a economia mais forte do mundo. Fizemos investimentos históricos na reconstrução de nossa nação, na redução dos custos dos medicamentos prescritos para os idosos e na expansão dos cuidados de saúde acessíveis a um número recorde de americanos. Fornecemos cuidados extremamente necessários a um milhão de veteranos expostos a substâncias tóxicas. Aprovou-se a primeira lei de segurança de armas em 30 anos. Nomeada a primeira mulher afro-americana para a Suprema Corte, e aprovou-se a legislação climática mais significativa da história do mundo. A América nunca esteve melhor posicionada para liderar do que estamos hoje. Sei que nada disso poderia ter sido feito sem vocês, povo americano. Juntos, superamos uma pandemia que ocorre uma vez num século e a pior crise econômica desde a Grande Depressão. Protegemos e preservamos a nossa democracia. E revitalizamos e fortalecemos nossas alianças em todo o mundo”.
Os analistas políticos norte-americanos chamam a atenção para a imensa responsabilidade que Kamala Harris terá pela frente se for ungida candidata do Partido Democrata para enfrentar Donald Trump. O que se diz é que caberá a ela administrar um legado do qual não teve participação mais direta, tendo em vista a centralização de decisões exercida por Joe Biden e pelo entorno de sua confiança na Casa Branca. Alega-se que, justamente por causa disso, Kamala Harris teve uma atuação apagada e não avançou, sequer, na missão, que lhe cabia como uma luva, de resolver o problema dos imigrantes, que é motivo de controvérsia na política americana. Seja como for, ela é a figura mais emblemática para substituir Joe Biden e para tentar derrotar Donald Trump, que, até então, vinha liderando pesquisas de intenção de voto.